Inspiração

Quem nunca teve vontade de largar tudo e viajar o mundo sem se preocupar com o dia de voltar? Apesar de ser um desejo latente no coração de muitos aventureiros, nem todos têm coragem ou a estrutura necessária para colocar o sonho em prática. O jornalista paulista Israel Coifman definitivamente não é uma dessas pessoas. Há quase um ano, ele deixou para trás um excelente emprego, apartamento e toda a rotina, para embarcar em uma volta ao mundo sobre duas rodas.

A aventura começou na América do Sul e segue subindo para o norte do continente. Quando chegar aos Estados Unidos, Israel pegará um avião para continuar a viagem em outro continente, que ainda não foi escolhido. A ideia é viajar por todos os continentes e aprender. Aprender sobre os lugares, culturas, povos e sobre si mesmo.

Entre uma pedalada e outra, o jornalista tirou um tempinho para conversar com a gente, tirar dúvidas, contar suas experiências, dar dicas e mostrar que, com o planejamento necessário, qualquer um pode embarcar em uma aventura desse tipo.

Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal
Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal

Confira abaixo a entrevista completa:

The North Face: Como surgiu a ideia de “largar tudo” e ir viajar de bike pelo mundo?

Israel Coifman: Há muitas formas de responder essa pergunta. Há diferenças substanciais na resposta do antes e começo da viagem para o agora. Posso dizer que antes eu me sentia sendo levado pela correnteza mesmo sabendo que aquela não era a minha direção. Eu tinha o emprego e a vida que eu queria ter. Estudei jornalismo para trabalhar com futebol e cheguei a lugares que eu nem imaginava chegar. Cobri duas Copas do Mundo, as Olimpíadas de Londres e viajei por mais de vinte países através da profissão. Fui feliz e muito, mas chegou um momento que tudo aquilo não fazia mais sentido. Antes que me chamem de mimado de uma geração que não sabe o que quer e se arrepende de largar o que tinha, digo que todo esse movimento de transformação foi muito consciente. Desde deixar o super emprego e o apartamento que eu vivia na Barra da Tijuca, vender o carro, móveis e migrar para uma vida minimalista com pouco ou quase nada. Nada do que eu tinha veio de graça, pelo contrário, com muito suor, mas não me fazia mais sentido suar para ter, eu queria viver mais e melhor. Me senti estagnado, sem evoluir e isso estava me matando. É possível ter a leitura de que eu estava cansado do trabalho, da profissão, da cidade grande e de ser mais uma ovelha no rebanho, mas era muito além. Tinha muito a ver com o desejo pela liberdade, pela aventura, pelo desconhecido. Desde 2013 eu ensaiava uma mudança de vida e, enquanto eu não sabia para onde ir, vinha um novo projeto ou um novo incentivo profissional e eu deixava esse desejo debaixo do tapete. Até que em 2015 não havia mais como esconde-lo. Sem querer descobri o livro Homem Livre, do Danilo Perrotti, que deu uma volta ao mundo de bicicleta e me inspirei. A bicicleta já era muito presente na minha vida e então me lancei timidamente para viagens para me testar. O resultado foi avassalador. Foi encontrar meu caminho, ao menos neste momento de vida, em cima dos pedais. Comecei a pesquisar mais e mais e, o que me parecia loucura, foi ganhando naturalidade ao encontrar um universo de informações sobre o assunto e ver que há centenas de pessoas que fazem ou já fizeram isso. Pode-se chamar de período sabático ou o que for, mas deixei a vida convencional para viver uma vida que faz mais sentido para mim, onde aprendo na prática sobre outros povos, outras culturas, sobre a vida e sobre mim mesmo. Ressignificando valores e gerando novos e melhores hábitos. Agora uma resposta mais curta. Por que? Porque não encontrei nada mais maravilhoso para fazer da minha vida neste momento.

TNF: Quanto tempo levou desde a ideia até o início da viagem?

Israel Coifman: Um ano. Em dezembro de 2015 saí de férias “mal intencionado”. Eu já tinha um plano na cabeça, mas precisava respirar um pouco e ficar sozinho para ver se era aquilo mesmo que eu queria fazer. Viajei de carro do Rio de Janeiro até Timbó, em Santa Catarina e de lá saí pedalando pela primeira vez com barraca, fogareiro e com a bicicleta carregada para ver como eu me saía. Terminei o Circuito do Vale Europeu fascinado, emocionado e com um baita frio na barriga, pois sabia que ali eu tinha tomado um caminho sem volta. Em Blumenau, parei uns dias para descansar e absorver tudo que eu tinha vivido e, um ano depois estava iniciando a expedição ali mesmo onde eu havia decidido me aventurar.

Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal
Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal

TNF: Como foi a decisão de deixar um emprego tradicional para embarcar nesta aventura?  

Israel Coifman: Quando voltei ao Rio de Janeiro e entrei em casa eu já sentia que eu não pertencia mais àquele lugar. Eu sabia que tudo implicaria em deixar o trabalho e uma vida confortável. Pedir demissão do emprego certamente foi a parte mais difícil. Foram seis anos trabalhando na Mowa Sports. Entrei como freelancer em 2010 e estava prestes a deixar uma posição executiva para ir viajar o mundo de bicicleta. Difícil de compreender para qualquer um, mas como disse, peguei um caminho sem volta. Quando as coisas fazem sentido dentro da gente, não precisamos de nenhuma outra explicação. Meu ex chefe virou amigo e é uma pessoa que sempre me apoiou e sofri antes e depois de falar com ele. Mas eu estava certo do que eu queria e em nenhum momento me arrependi.

TNF: Como foi o planejamento e a preparação?

Israel Coifman: Pesquisando e falando com outros viajantes, estabeleci um budget diário de R$50 para a viagem. Muita gente não gosta de falar de dinheiro pois tem receio do que as pessoas podem pensar ou ser assaltado. Como não ando com muito dinheiro e não me preocupo tanto com o que os outros pensam, é isso. Fiz as contas e me joguei em 2016 para fazer dinheiro. Vendi meu carro, prancha, bicicleta antiga, móveis, eletrodomésticos e tudo que dava para vender para levantar dinheiro. E trabalhei muito. Segui no meu emprego por boa parte do ano e consegui fazer muitos trabalhos freelancers: gravei e editei desde filmes institucionais até making of’s de modelos. Ao fim do ano cheguei ao número que eu queria. Quando a viagem começou descobri que dá pra viajar, na maioria das vezes, com bem menos que R$50. Usei 2016 também para me preparar psicologicamente. A yoga foi fundamental para me ajudar a me manter concentrado e menos ansioso. Se a expedição era uma escolha consciente, nada melhor que tomar consciência do corpo e mente antes de começar. Também segui correndo e pedalando quando dava tempo, mas não me preocupei tanto com o corpo e sim com a mente, para ela não me trair. E funcionou!

Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal
Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal

TNF: Você já andava de bike? Se sim, era meio de transporte, lazer, ambos?

Israel Coifman: Andava de bike sim. Quando ainda morava em São Paulo eu tive minha habilitação de motorista caçada por excesso de multas. A bike estava abandonada e trouxe ela de volta com tudo para mudar a minha vida. Lentamente passei a fazer tudo de bicicleta, desde ir comprar pão até ir trabalhar. Quando me mudei para o Rio de Janeiro não parei mais. Ter as praias e as montanhas como parque de diversões me fez adotar definitivamente a bicicleta como instrumento de lazer, aventura e transporte.

TNF: Quais roupas, acessórios e equipamentos não podem faltar em uma aventura deste tipo?  

Israel Coifman: Viajar de bicicleta significa viver de uma forma muito simples. É preciso ter pouco, mas o pouco tem que ser de qualidade pois o uso é extremo e intenso. Alforjes impermeáveis, barraca que aguente bem o vento e a chuva e um saco de dormir poderoso são indispensáveis. Um isolante térmico inflável e uma cozinha compacta também são importantíssimos. Shorts e calça de ciclismo também não podem faltar, assim como uma jaqueta à prova d’agua. Eu gosto de levar também uma garrafa térmica para fazer café e claro, o material fotográfico para registrar os lugres incríveis por onde passo. Roupa térmica compacta e um bom casaco de frio. Chapéu, protetor solar e repelente. E para a família e amigos, um rastreador via satélite para todos saberem onde estou e que estou em segurança. Ah e ferramentas e algumas peças de reposição para a bicicleta!

TNF: Por quais países você já passou? Quais ainda estão na lista?

Israel Coifman: Saí do sul do Brasil e passei por Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador e agora estou entrando na Colômbia. Quero atravessar a América Central e chegar aos EUA. De lá pegar um avião para cruzar o oceano e seguir viajando pelo lado de lá. Ainda não decidi se pela Europa, Ásia ou África, mas o número de países não é mais uma obsessão. Estou mais focado nas experiências que nos recordes.

TNF: Quanto tempo deve durar a viagem toda?

Israel Coifman: Pensei em três anos, mas a viagem deixou de ser “a viagem” e passou a ser a minha vida. Se a grana estiver acabando, dá para trabalhar viajando ou fazer pausas para levantar dinheiro e seguir. Não estou preocupado se a viagem vai durar menos ou mais. Enquanto eu estiver feliz, seguirei viajando e no final eu faço as contas de países, tempo e quilômetros.

Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal
Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal

 TNF: Até aqui, quais foram os maiores desafios, perrengues e conquistas?

Israel Coifman: Perrengues 1: Peguei uma infecção na garganta e fiquei sem conseguir sacar dinheiro em um vilarejo bem pequeno no Peru. Não tinha dinheiro para comprar remédios, ir a um hotel ou pegar um ônibus até um lugar com mais estrutura. Estava com muita dor e passando mal. Por fim consegui uma carona até uma cidade maior para ir a um hospital e me cuidar. Perrengue 2: Vi um carro capotar a uns 30 metros de onde eu estava. Fiquei em choque, paralisado no meio da estrada. Eu poderia ter morrido, mas felizmente nem o motorista e o passageiro se machucaram. Foi perturbador. Conquistas: Há sempre um sabor maravilhoso ao cruzar fronteiras internacionais pedalando, impulsionado pela força de seu corpo e pela resiliência que a nossa mente desenvolve. Mas atravessar a Cordilheira dos Andes, da Argentina para o Chile, o Salar de Uyuni e sair do nível do mar de Lima para dar a volta na Cordilheira Blanca, a quase 5000 metros de altura no Peru foram momentos inesquecíveis.

TNF: Qual foi o lugar/situação mais incrível vivenciado até este ponto da viagem?

Israel Coifman: A Cordilheira Blanca, no Peru. Foi o lugar mais impressionante que eu já fui na vida. Depois de sair do litoral, estar lá em cima vendo glaciares, picos nevados e lagoas azul turquesa me fez chorar de emoção e respeitar mais a natureza.

TNF: O que você esperava desta experiência antes de começar a viagem? Essa expectativa foi atendida?

Israel Coifman: A experiência é muito mais amplificada na prática. A viagem é muito mais intensa, feliz e difícil que eu imaginava. Eu tinha uma ideia antes, mas agora eu sei que eu estou no lugar onde eu queria e quero estar. Os lugares por onde eu passo são de cinema, mas as experiências mais enriquecedoras são com as pessoas. O que se aprende com os locais, se reflete na natureza e ecoa de forma indecifrável por dentro de você e por fim, essa é a melhor viagem, a que percorremos internamente.

TNF: Quais conselhos você daria para quem sonha em fazer algo do tipo?

Israel Coifman: Sonhar. Acreditar. Não se preocupar com o que vão dizer nem se comparar com outras histórias ou outros viajantes. Cada um tem um jeito de ver a vida. Viva do seu jeito, faça a sua viagem, priorize o que é importante para você… e pedale! Por que viajar de bicicleta não tem segredo, é só pedalar!

Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal
Foto: Israel Coifman/Arquivo Pessoal

Quer acompanhar todos os detalhes dessa aventura incrível? Siga o Israel no insta: @IsraelCoifman

 


Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.