Inspiração

Conquistar a primeira montanha de altitude é um marco na vida de qualquer pessoa. Esse é o tipo de missão que coloca a vida realmente à prova e qualquer detalhe pode ser fatal. Toda essa dificuldade deixa as expedições de alta montanha ainda mais emocionantes e cheias de adrenalina.

O Bernardo Fonseca já tinha vivido muitas aventuras, já escalou montanhas em diversos locais do mundo, correu em trilhas extremamente desafiadoras, mas foi no Manaslu que ele chegou ao seu primeiro cume acima dos 8.000 metros de altitude.

Confira o relato que ele nos mandou contando os detalhes dessa conquista:

“Saímos do Acampamento Base, subimos para o camp 1 com a intenção de, após passar uma noite, ir direto para o camp 3 (6.800m), pulando o 2 (6.400m). Nosso plano seria na sequência ir para o acampamento 4 (7200m) e à noite atacar o cume.

Mudamos a nossa estratégia após perceber que tinha muita neve acumulada e precisávamos aguardar para que ela se consolidasse. Por isso, seguimos para o camp 2, onde ficamos uma noite e depois, na sequência, camp 3.

Neste momento tudo mudou. O Arnold e o Max, que estavam liderando a expedição, entenderam que deveríamos subir para o cume o quanto antes, porque existiam muitos outros escaladores que iriam tentar a mesma janela de cume que o nosso grupo e isso iria gerar uma fila gigantesca nas cordas fixas. O que certamente iria atrapalhar muito a nossa progressão.

Eu fui indo no embalo do grupo, ainda sem a certeza se iria ao cume com eles, afinal, cheguei atrasado e não consegui fazer os ciclos de aclimatação como eles, mas, diferente do grupo, eu era o melhor preparado fisicamente.

Posso dizer que sou “cria” do Maximo, o que ele fala, eu simplesmente cumpro. Comigo dá super certo. Eu tenho a disciplina de atleta e sigo à risca suas orientações. Ele entende bem como funciona meu organismo e, com isso, conseguimos bons resultados.

Foi o que aconteceu neste último momento. Ele achou que eu deveria tentar ir ao cume na mesma janela da turma. Estava bem hidratado, comendo bem, oxigenação boa, enfim… eu me aclimatei super rápido, levando em consideração que cheguei dia 12 na montanha e iríamos ao cume no dia 24

Confio demais nele. E, assim foi… parti para o cume no mesmo dia do grupo, só que tivemos uma grande mudança. O grupo todo iria atacar o cume a partir do camp 3. Confesso que fiquei assustado porque era incomum e longe do cume. Mas, o que foi colocado no momento foi que, com isso, não sofreríamos o desgaste de dormir no camp 4 (7.200m) e, saindo no dia anterior ao previsto, não teríamos ninguém no alto da montanha, ou seja, não teríamos filas nas cordas fixas, ” no traffic jam”, como diz o Arnold.

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O Manaslu é a 8a maior montanha do mundo. – Foto: Bernardo Fonseca/Arquivo Pessoal

Saímos às 19h30 da noite, eu estava um pouco assustado, pois o Maximo está com a costela quebrada e não estava conosco e o Arnold, que era o líder do grupo, também disse que não iria para o cume, pois preferia ficar no camp 3 para qualquer imprevisto.

Cada integrante do grupo tinha um sherpa como parceiro. O meu se chamava Chhangwa Sherpa, 32 anos, super forte e já havia feito o Manaslu uma vez. Pena que ele não falava inglês, então trocávamos poucas palavras.

Partimos na escuridão da montanha. Eu, particularmente, gosto de escalar à noite, porque o tempo “passa” rápido. Foquei em tentar encontrar um ritmo com o Chhangwa, mas os sherpas da região do Manaslu são muito acelerados. Eles dão 8 a 10 passos super rápidos e ficam parados respirando. Durante horas, fui tentando convencê-lo a termos um ritmo mais constante. Até que, depois de umas 4 horas de montanha, conseguimos e foi ótimo. Eu seguia seus passos, literalmente.

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Bernardo e Chhangwa Sherpa no cume do Manaslu. – Foto: Bernardo Fonseca/Arquivo Pessoal

Ao chegarmos no camp 4, sem querer, já havíamos nos distanciado muito do grupo. Nós olhávamos para trás e ninguém sequer próximos. Por um lado, isso era bom, mas também corríamos o risco de, com qualquer imprevisto, não termos ninguém por perto.

Foi bem o que aconteceu. Ao avançarmos, após o acampamento 4, nos deparamos com um glaciar enorme e, na sequência, uma parede para subir. Chhangwa, no inglês complexo dele, virou e disse:

– “We are lost”, estamos perdidos, não sei o caminho. Só estive aqui uma vez e agora, à noite, no escuro, não consigo achar.

Como estávamos na frente e apenas alguns sherpas haviam passado pela montanha na noite anterior para colocar as cordas fixas, não tínhamos rastros para seguir. Isso, a 7400m de alt, me pareceu alarmante. Chamei o Arnold no rádio:

– Arnold, do you copy.

– Yes, Go ahead Bernardo.

– Two problems! My oxigen mask lost one part.

– Bernardo, try to fixed! Nothing to do.

– Ok, other point, we are lost!

– What?

– Yes, Chhangwa can’t find the track.

– Ok, no problem, ask to Karma sherpa to show the right track.

– Ok, but Karma sherpa is two hours behind us!

– So…. Wait for them.

Em resumo, ficamos esperando parados quase uma hora no frio congelante. Sem sair do lugar, tudo começa a congelar. Nenhuma luz tinha aparecido ainda em nosso campo de visão e decidimos explorar, tentando achar um caminho. Até que encontramos uma possibilidade e, após algumas tentativas, encontramos uma corda fixa. Ou seja, achamos o caminho.

Foto: Bernardo Fonseca/Arquivo Pessoal

Nesta hora, já tínhamos a visão do grupo que estava mais próximo. Continuamos firmes, começamos a ver o cume, ainda distante, posso dizer, mas, eu já tinha colocado na cabeça que estava dominado e iria conseguir.

Sofremos muito na sequência, porque a neve estava fofa, afundando até o joelho. Estava super difícil progredir, mas aos poucos fomos avançando. Sempre preocupado em me hidratar e me alimentar com o que dava. Fui movido a Exceed gel, que funciona muito bem comigo porque tem cafeína.

Nós saímos às 19h30 e chegamos ao cume do Manaslu quase às 5h. Ainda escuro estava escuro. Ficamos quase uma hora no cume, tentando fazer fotos, vídeos e, ao mesmo tempo, aguardando amanhecer. Foi um parto fazer fotos com o Chhangwa. Ele não se entendeu bem com o celular e a Go Pro não aguentou, congelou total.  Eu deveria ter pensado em algum compartimento para mantê-la aquecida. Erro meu total.

Para fazer fotos, eu tirava a luva toda hora. Então, fiquei com a mão congelada e agora estou sem sensibilidade em todos os dedos da mão. Algo até normal nas montanhas mais altas, em uns 2 meses tudo volta ao normal.

O visual era deslumbrante! Bate aquela euforia do cume, mas sempre lembro do Max falando:

– Guarde energia, o cume é apenas metade do caminho.

Nós decidimos descer. Encontramos nosso grupo subindo e fiquei feliz que estavam todos lá. A Claudia e o Pedro principalmente, brasileiros firmes e fortes. Eles ainda tinham que vencer um trecho da montanha, acredito que estavam há uns 45 min do cume e começou e ventar bastante.

Nós nos falamos rapidamente e baixei super rápido. Agora eu só conseguia pensar em descer com segurança.

Chhangwa gostava de fazer tudo rápido, nos demos super bem, porque eu também gosto de acelerar. Descemos umas 20 encordadas “rapelando” no estilo sherpa, sem ATC, freio 8 nem nada, somente com um mosquetão na mão fazendo pressão para frear de leve.

Sofremos na descida porque não tínhamos uma gota de água. Respirar com o oxigênio deixa a boca bem seca e eu estava louco para beber algo.

Foto: Bernardo Fonseca/Arquivo Pessoal

Mas, enfim chegamos ao acampamento 3. Dei um forte abraço no Arnold, chamei o Max no rádio e comemoramos! Max disse:

– Parabéns, Bernardo! Para quem estava na montanha somente há 12 dias, você se saiu super bem!

Nem eu acreditava. Foi um desafio incrível, mas agora já estava com minha primeira montanha acima do 8.000m. Valeu cada segundo!

Fiquei super feliz que todos do grupo fizeram cume. Cada um com sua história, cada um com seu desafio, mas todos com a missão cumprida.

Aproveitei que estava ainda com energia e decidi descer até o base camp (4.900m) para encontrar com o Max, comer bem etc. A melhor coisa na montanha é baixar. Saí de 8.163m para 4.900m numa tacada só. Quando cheguei ao Base Camp alguns integrantes ainda não haviam chegado no acampamento 3, alguns tiveram dificuldade para descer, a energia vai embora e recuperar na altitude é bem complexo.

Ao final, cada um completou seu ciclo e todos estavam relativamente bem. Teremos pequenos consertos pelos próximos meses, mas com histórias incríveis para contar!

Chega ao fim este relato no blog. Espero ter conseguido dividir com todos um pouco do desafio. Obrigado à The North Face por sempre estar comigo em todos os meus piores momentos (rs) ou, prefiro dizer, nos momentos mais difíceis. Sou prova viva de que equipamento faz muita diferença. Obrigado à turma do Gente de Montanha, que consegue construir uma jornada incrível, cuidando de todos os detalhes com muito carinho.”

 

 


Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.