Para quem teve em sua infância a oportunidade de brincar ao ar livre, basta fazer um pequeno exercício de memória para perceber o quanto essas vivências deixaram marcas preciosas. São lembranças que parecem ter a capacidade de expandir os pulmões, relaxar os músculos e fazer brilhar os olhos com uma alegria serena. Elas nos deixaram uma memória afetiva com a natureza.
Para a pesquisadora e educadora Maria Amélia Pereira, “ao brincar com a água, a terra e o ar, as crianças estão entrando em contato com símbolos fortes que acompanham o imaginário da humanidade desde sempre. Brincar com os elementos é fundamentalmente criar raízes com a Terra, é vincular-se à natureza compartilhando de um acolhimento mútuo, vivido entre dois entes misteriosos – o Homem e o Universo”.
Em um estilo de vida urbano e contemporâneo, às vezes nem nos damos conta da falta que essas experiências fazem para a saúde física e emocional. Quanto mais para as crianças, que estão em um ponto do seu desenvolvimento no qual o contato com a natureza é indispensável.
O escritor americano Richard Louv criou o termo “transtorno de déficit de natureza” para chamar a atenção para o conjunto de problemas físicos e mentais derivados de uma vida desconectada do mundo natural. Segundo o escritor, doses de natureza são fundamentais para compensar os efeitos mentais e físicos de nossa imersão tecnológica.
Ele sugere que qualquer espaço verde oferece benefícios para o bem-estar físico e mental das crianças. “À medida que as crianças passam menos tempo em áreas naturais, seus sentidos ficam limitados, no sentido fisiológico e psicológico. Acrescente a isso uma infância exageradamente organizada e a desvalorização das brincadeiras espontâneas. Isso tem enormes consequências para as capacidades da criança se autorregular. Isso reduz a riqueza das experiências humanas e contribui para uma condição que chamo de transtorno de déficit de natureza”.
Várias pesquisas relacionam a experiência na natureza com a redução dos sintomas de síndrome de déficit de atenção. Alguns dos trabalhos mais importantes nessa área foram feitos no Laboratório de Pesquisa de Humanos e Ambiente da Universidade de Illinois por Andrea Faber Taylor, Ming Kuo e William Sullivan. Em uma série de estudos, eles descobriram que espaços ao ar livre estimulam brincadeiras criativas, melhoram a interação positiva com adultos e reduzem os sintomas de síndromes relativas ao déficit de atenção. “Quanto mais verde for o ambiente, maior o benefício”, como eles escreveram na revista científica Environment and Behavior, “atividades ao ar livre em geral ajudam, mas atividades em ambientes naturais têm maiores chances de melhorar o foco e a concentração das crianças”. O estudo mais recente de Taylor e Kuo mostra que o grau de atenção de crianças era mais alto depois de uma caminhada de 20 minutos num parque com cenário natural do que depois de um passeio numa área urbana. Outros estudos na Suécia e nos Estados Unidos reforçam essas descobertas. Alguns pediatras americanos mapearam as áreas naturais, como parques urbanos, e passaram a receitar doses de natureza para os pacientes.
Colocando a teoria na prática
Seguindo essa tendência a CRUX ECO, minha empresa de turismo de aventura no Rio de Janeiro, criou um segmento para as crianças com atividades como caminhadas, escaladas, arvorismo, slackline entre outros, chamado de Cruxinhos.
Oferecemos experiências lúdicas e esportivas na natureza, pensadas especialmente para os pequenos. Assim eles aproveitam os espaços naturais para desenvolverem usas habilidades motoras e sociais e se divertirem com a família.
Hoje em dia, crianças e adultos que trabalham e estudam num mundo cada vez mais dominado pelo ambiente digital gastam grande energia bloqueando muitos dos sentidos humanos, inclusive alguns que nem sabemos que temos. Mas a questão aqui não é ser contra a tecnologia, que nos oferece muitos benefícios, e sim encontrar um equilíbrio. Precisamos oferecer a nós e a nossas crianças uma vida e um futuro rico em natureza. Uma abordagem é usar os habitats naturais como cenário para várias atividades e brincadeiras, como fazem os Cruxinhos. E também, criar novos ambientes naturais no interior e no entorno de nossas casas, escolas, bairros, centros comerciais e cidades.
Essas pesquisas sugerem que o contato com a natureza é elemento fundamental para nossa habilidade de pensar e criar. Precisamos da natureza como antídoto para alguns dos efeitos negativos da tecnologia. Quanto mais hi-tech nossa vida fica, de mais natureza precisamos.
Se fizermos isso, as crianças ficarão bem. A natureza é inclusiva. Todos são igualmente bem-vindos. Ela oferece uma linguagem universal que qualquer pessoa no planeta compreende e ainda tem a capacidade de fazer nossos problemas pessoais encolherem para uma dimensão realista.
É preciso explicar o verdadeiro significado da palavra “natureza” e fazer a criança se sentir parte dela para aprender a cuidar e amar. O desafio não é fácil, mas é possível e pode ser feito de uma forma mais simples do que se imagina.