Esportes

Se você já escalou, certamente se deparou com a expressão “vias de escalada”. Para quem não está muito familiarizado com o esporte, as vias são os caminhos que um escalador segue parede acima. Quando o assunto é escalada em rocha, essas vias precisam ser visualizadas, abertas e, literalmente, conquistadas (além de registradas, é claro). Isso porque conquistador é o nome da pessoa responsável por fazer essa via existir. Além de imaginar o caminho, é o conquistador que instala também os aparatos de proteção que vão permitir que outros escaladores repitam uma via.

É muito comum falarmos do escalador que encadenou uma via difícil. Mas, raramente fala-se sobre a pessoa que tornou isso possível. O Lucas Sato é escalador há 14 anos, guia de montanha da Grade 6 Expedições e é um desses voluntários, responsáveis por conquistar diversas vias de escalada por aí.

Ele compartilhou um pouco da história dele e dos desafios de ser um conquistador em um artigo que mostra o outro lado da escalada, que é essencial para que o esporte continue a crescer.

Foto: Vinicius Popoh / Arquivo Pessoal

Confira o artigo na íntegra:

“Nada melhor que começar me apresentando. Eu me chamo Lucas Sato, tenho 33 anos, escalo desde 2006 e sou pai do Davi. Meu primeiro contato com o esporte foi através de um ginásio de escalada em São Paulo, me encontrei na área das cordas ainda na faculdade e decidi que queria viver profissionalmente do esporte. Estudei muito, realizei inúmeros cursos e desde 2011 atuo como Guia/Instrutor de Montanhismo e Escalada. Nessa jornada já formei mais uma centena de alunos pelos estados de SP e MG. Guiei diversas expedições pela nossa querida Serra da Mantiqueira e grupos de brasileiros pelas cordilheiras do Himalaia, Andes e Real. Nos últimos anos meu objetivo tem sido conquistar novas rotas e points de escalada pelo sul de minas, abri mais de 50 vias e publiquei um guia de escaladas da região (que pode ser baixado gratuitamente). 

Quando comecei a escalar lá por meados de 2006, eu não fazia ideia de quem impulsionava o esporte. As minhas primeiras escaladas aconteceram no Morro do Cuscuzeiro, em Analândia/SP, uma belíssima formação rochosa de arenito. Na época baixamos o croqui (espécie de mini mapa com todas as informações e desenhos das vias) pela internet, imprimimos e nos jogamos atrás das vias. Mas antes, me deixa explicar o que são as vias: nada mais são do que o caminho que o escalador segue parede ou montanha acima. Uma montanha pode conter diversas vias, cada uma delas com um tipo de proteção e grau de dificuldade. Mais adiante escrevo outro texto, explicando os diversos graus que uma via recebe.

Foto: Vinicius Popoh / Arquivo Pessoal

Voltando ao Cuscuzeiro, uma coisa sempre me chamou a atenção: os nomes das vias! Posteriormente me contaram que quem ‘batiza’ a via são os próprios conquistadores, que recorrem a motivos  diversos: algo que aconteceu durante a conquista, homenagem a grandes escaladores do passado, nome de pessoas amadas, apelidos, jargões e até nomes de músicas podem servir de inspiração.

Cinco anos depois, muito mais experiente, eu escalaria com Mauricio Clauzet, vulgo ‘To NTo’, o autor do primeiro guia de escaladas do Cuscuzeiro e conquistador das principais vias. Naquela oportunidade, não pude deixar de agradecê-lo pelo trabalho e disse que, se não fosse ele, talvez eu não estivesse escalando até hoje!

Um dos grandes objetivos desta matéria é mostrar o papel fundamental dos conquistadores de vias no cenário do montanhismo e da escalada nacional, que muitas vezes acabam ficando no anonimato. Vou dar um exemplo: um escalador que supera uma via superdifícil torna-se a sensação do momento, com todo o mérito, evidentemente! Mas, na maioria das vezes as pessoas se esquecem de quem visualizou a linha, empenhou horas de suor e trabalho, investiu muita dedicação e um alto valor financeiro para aquela via nascer.

Mas, então, quem pode abrir uma via? Teoricamente, qualquer um. Como ninguém quer escalar uma via com proteções mal instaladas, o conquistador deve possuir larga experiência. Conquistar uma via é um ato de extrema responsabilidade. Imagine se uma das proteções que você instalou se solta com outro escalador?

Sempre refleti muito sobre o porquê dessa vontade de conquistar vias; já ouvi que era apenas por ego, para colocar ‘meu nome’ nas vias. Longe disso, a montanha forneceu grande parte da minha formação, como esportista e como pessoa. Tudo que consegui veio através da escalada, nada mais justo do que retribuir com o que as pessoas mais procuram: caminhos verticais. Eu nunca abri uma via só para mim, muito pelo contrário, o mais prazeroso é ver amigos e até desconhecidos escalando uma das suas criações. Costumo dizer que conquistar uma via é a parte mais fácil, depois temos que criar croquis, escrever guias, divulgar, atualizar etc… Esse é meu objetivo: somar para o esporte, abrindo novas vias e novos setores. Já perdi a conta de quanto investi para abrir vias. Foram muitas horas ao sol, muito pó de pedra na cara, muita conversa com os proprietários das terras, muito investimento financeiro, mas tenho certeza de que vale a pena.

A bagagem de um conquistador

O que levamos na mochila e, consequentemente, em nossa cadeirinha:

– Martelete ou batedor manual;

– Martelo;

– Soprador;

– Chave;

– Brocas diversas;

– Chapeletas + parabolts;

– Proteções móveis;

– 2 cordas;

– Equipamento pessoal (cadeirinha, capacete, freio etc…)

– Cliffs e negocins;

– Costuras;

– Estribos. 

Adicione à lista água, comida, kit de primeiros socorros, jaqueta impermeável etc. Tudo isso gera um peso de aproximadamente 20 kg, carregados por nós trilha e montanha acima. Claro, a quantidade de tudo isso varia entre comprimento e estilo da escalada que visualizamos conquistar.

Foto: Vinicius Popoh / Arquivo Pessoal

Depois de tanto esforço…

Toda vez que escalar, lembre-se de quem conquistou a via e a valorize. Pode ser com uma mensagem de agradecimento ou avisando a necessidade de uma manutenção. São diversos os casos de points de escalada que foram fechados pelo mau comportamento dos próprios escaladores! Tente se colocar na pele de quem abriu todas as vias, todo esse investimento pode ser desperdiçado pela falta de educação de outra pessoa. Respeitar a comunidade local é dever do praticante do esporte, ser cordial, seguir as regras de cada região, essa é a conduta mínima que se espera de um escalador.

Foto: Vinicius Popoh / Arquivo Pessoal

Como uma conquista funciona na prática?

Outra pergunta constante que ouço: se você está escalando, como faz para conseguir parar e fazer o furo para instalar a proteção? Quando se conquista uma via por baixo, utilizamos equipamentos de escalada artificial para nos apoiar e ficar com as mãos livres para fazer os furos. Esses equipamentos são assustadores para quem nunca os usou, pois são ganchos onde colocamos todo o peso de nosso corpo, uma peça que não tem 4 cm de comprimento. A qualquer movimento errado, esse gancho sai com facilidade. Quando o lance é muito difícil e não consigo me segurar para puxar o martelete e fazer o furo, tenho que me apoiar nesses equipamentos, ficando com as mãos livres para instalar a proteção.

Existe um outro termo que usamos quando conquistamos de cima para baixo que é a retrogrampeação: basicamente chegamos no topo por uma trilha, armamos a corda e rapelamos (descer pela corda com um freio), furando e instalando as proteções. Eu particularmente não gosto desse modo; ele é bem visto em conquistas de vias esportivas (mais curtas), mas, mesmo nas minhas conquistas esportivas, sempre optei em ir por baixo. Mantendo um estilo mais técnico, natural e orgânico de conquista. Uma vez um grande amigo me disse que equipar uma via de cima para baixo é como pendurar um quadro na parede. Já conquistar uma via de baixo para cima é como pintar o mesmo quadro antes de pendurá-lo.

Foto: Vinicius Popoh / Arquivo Pessoal

E quais são os gastos para abrir uma via?

Considerando que é uma via inteira de proteção fixa com, aproximadamente 120 metros, paradas a cada 30 metros, média de 8 proteções por enfiada:

– Valor da Chapeleta Simples + Parabolt = R$ 7,00;

– Valor da Chapeleta Dupla + Parabolt = R$ 10,00;

– 8 Duplas para as paradas = R$ 80,00;

– 32 Simples = R$ 256,00;

TOTAL – R$ 336,00! Sem contar, alimentação, combustível, pedágios, hospedagem, equipamentos etc.

Foto: Vinicius Popoh / Arquivo Pessoal

Esse investimento diz respeito a apenas UMA via. Existem locais de escalada com até 400 vias. E fica outra pergunta, quem paga essa conta? A resposta: nós mesmos, os conquistadores! Soma-se ao valor financeiro o fator tempo, já que dificilmente conseguimos conquistar uma via de escalada longa (+ de 100m) em um dia. Alguns projetos demoram meses ou anos para se concretizar. São dias que abdicamos de ficar com nossas famílias e amigos, de descansar, tudo em prol do esporte, o esporte que amamos.

Ficou com dúvidas? Basta me procurar no Instagram por @lukssato para mais curiosidades sobre conquistas de vias e escaladas em geral!”


Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.