O montanhista brasileiro Moeses Fiamocini acaba de voltar do Paquistão. A missão muito bem executada resultou, dessa vez, no cume das montanhas Broad Peak e Gasherbrum II em apenas SETE dias! Essas duas montanhas com mais de 8 mil metros de altitude, fazem parte de um circuito de 14 montanhas que ele almeja conquistar.
Confira agora a entrevista exclusiva para o blog da The North Face Brasil.
Como foi seu processo de decisão para criar o Projeto Himalaias 8000?
Comecei a escalar montanhas nos Andes em 2009 e cheguei a minha primeira de 8000, o Manaslu (8.156 metros), em 2018. Até aquele momento, embora já tivesse uma boa experiência em escalada em rocha e gelo, eu imaginava que montanhas de 8000 mil estivessem muito distantes de mim. Depois do Manaslu, decidi que no ano seguinte subiria o Everest (8.848 metros). Manaslu e Everest não são montanhas técnicas e foi assim que percebi minha capacidade para algo mais desafiador.
Como usei pouco oxigênio e somente nas partes mais próximas ao cume, concluí que seria possível subir montanhas mais difíceis e sem oxigênio.
Já saí do Everest com o projeto definido.
Em que fase está o projeto? Quantas montanhas você já escalou?
Até o momento escalei seis montanhas de 8000 mil metros, mas apenas quatro delas estão dentro do projeto, já que as duas primeiras terei que escalar novamente, sem oxigênio suplementar. As montanhas K2 (8.611 metros), Nanga Parbat (8.126 metros), Broad Peak (8.051 metros) e Gasherbrum II (8.035 metros), já foram conquistadas sem oxigênio. Ou seja, faltam 10!
Quais dessas 14 montanhas você considera as mais desafiadoras?
Todas! Rsrsrs Eu sempre digo que nenhuma 8 mil é fácil. Cada montanha tem uma geografia própria, que torna sua escalada difícil e perigosa de maneira diferente. Cada temporada apresenta variáveis, de acordo com o clima daquele ano. É um grande jogo de xadrez.
Quando escalei o K2, em 2019, que é a segunda montanha mais alta do mundo, achei que seria uma das mais difíceis. Acabo de voltar do Pasquistão e o Broad Peak é incrivelmente desafiador, porque é super íngreme desde sua base até o cume. Ele não dá descanso. Já o G2… uau, o G2 até o momento foi a mais perigosa.
Então, não tem um padrão. Essas ultimas possuem menor altitude entre as 14, mas foram puxadíssimas!
Conta pra gente um pouco mais da experiência no Broad Peak esse ano?
Essa temporada no Paquistão foi complexa. A intensa onda de calor que atingiu boa parte do hemisfério norte, deixou as montanhas ainda mais perigosas. Temperaturas acima do normal fazem com que blocos de gelos e pedras se desprendam mais facilmente. Houve vários acidentes, e infelizmente, alguns foram fatais. Durante os 40 dias que passei na região, o clima intercalou entre semanas com fortes nevascas e semanas de calor extremo. Uma combinação terrível para escalar.
A estratégia que escolhi para minimizar os riscos, foi subir para os campos altos durante a noite – quando as temperaturas estão mais baixas – e descansar durante o dia.
As ascensões ao Broad Peak nessa temporada foram especialmente tumultuadas. Um paquistanês sofreu um acidente um pouco antes do cume, onde há uma crista que exige muita atenção para ser ultrapassada, chamada rock summit. O rapaz caiu desse local e desapareceu em um abismo de mais de 2500 metros. O Broad Peak fica na fronteira entre o Paquistão e a China e sua queda foi para o lado chinês da montanha. Um helicóptero realizou algumas buscas, mas não encontrou o corpo.
Alguns dias depois houve outro acidente fatal com um inglês, no mesmo local, um dia antes da minha chegada ao cume. Assim como o paquistanês, ele também caiu do rock summit, mas a dessa vez foi para o lado do Paquistão. Todos nós vimos do campo 3. Quando você presencia algo assim, precisa de um foco absurdo para não desistir do que está fazendo.
Embora eu estivesse escalando o Broad Peak sozinho e sem ajuda de carregadores, na noite do ataque ao cume, escalei próximo a um grupo de quatro pessoas, três delas de diferentes nacionalidades. Apesar da queda do inglês, decidimos subir e ver com os próprios olhos como estaria essa parte do rock summit. O grupo usava oxigênio e todos eram fortes. Devido as condições da montanha, me obriguei a acompanhá-los, independente da força que tivesse que fazer. Não queria chegar sozinho ao trecho do rock summit, seria muito mais seguro ter outras opiniões sobre a condição do local. Quando chegamos, estávamos bem e com energia para manter a atenção, então decidimos continuar e felizmente deu tudo certo. Chegamos no cume ao amanhecer e o dia estava lindo.
Na descida, eu e um nepalês que estava guiando uma inglesa, juntamos forças e instalamos 100 metros de cordas fixas, o que tornou nossa descida bem mais segura.
E como foi a experiência no Gasherbrum II?
Minha ascensão ao G2 foi rápida. A previsão do tempo sinalizava apenas cinco dias seguidos de clima bom e eu não queria perder essa janela. Após fazer cume no Broad Peak, descansei um dia e depois caminhei 12 horas até chegar ao campo base do G2.
Soube que sete pessoas de diferentes nacionalidades começariam a subir a montanha naquela mesma noite. Me juntei ao grupo. Isso me ajudou muito, pois dividi com eles as barracas nos campos altos. Pude subir com a mochila um pouco mais leve. Alguns também tentariam o cume sem oxigênio.
O desafio no G2 já começa ao sair do campo base. Cruza-se um glaciar de 12 km para chegar ao campo 1. Foram exatamente 11 horas caminhando no meio de paredes de gelo com crateras abismais. Quase toda a extensão de cordas fixas que anteriormente haviam sido instaladas, tinha sido soterrada pela neve ou arrancada por avalanches. Ficamos sabendo dessas condições por pessoas que haviam escalado nos dias anteriores.
Assim como a estratégia usada no Broad Peak, decidimos sempre avançar a noite e descansar durante o dia, para diminuir a chance de sermos atingido por blocos de gelo que se desprendem com o calor do sol.
Entre o campo 1 e o campo 2 escalamos uma parte chamada Banana Ridge, um paredão de gelo super íngreme de 500 metros de altitude. Na noite seguinte subimos do campo 2 ao campo 3 e o problema desse trecho são as frequentes avalanches. Fomos atropelados por uma, que não nos causou danos, mas arrebentou as cordas fixas. Após algum tempo, outra avalanche passou perto de nós. Essa acabou atingindo um mexicano, que estava bem próximo a mim. Ele ficou soterrado até o pescoço e eu o desenterrei. Foi outro susto e maior desta vez. Levamos sete horas para chegar ao campo 3. Uma caminhada difícil, porque a neve estava profunda.
Na noite seguinte, às 19h horas saímos do campo 3 – que está a 7 mil metros de altitude – rumo ao cume. Esse é um trajeto complexo pois há uma travessia difícil, caminhamos por seis horas em neve profunda, nos mantendo na mesma altitude. Nesse trajeto temos que cruzar de um lado para o outro da “pirâmide” e a chance de avalanche é enorme. Para piorar, o clima fechou nesse dia, então, além de não haver cordas fixas, não tínhamos visibilidade.
Levamos 15 horas para chegar ao cume, e apesar da alegria da conquista, estávamos tensos. Sabíamos que descer não seria simples. Durante a travessia da pirâmide para descer, fomos pegos por uma outra avalanche que nos arrastou por 30 metros. A sensação foi de estar flutuando em uma onda. De qualquer forma tivemos sorte. Se fosse uma avalanche mais intensa, poderia ter nos arrastados até um abismo de 3 mil metros de altitude.
Saímos do campo base em oito pessoas e fizemos cume em quatro. Os demais desistiram em diferentes partes da montanha. Quando chegamos ao campo 3, decidimos apenas fazer uma pequena pausa e descer direto até o base. Tudo o que queríamos era deixar a montanha o mais rápido possível.
Posso dizer que o Gasherbrum II foi a montanha mais perigosa que eu já escalei até o momento. Nunca imaginei que fosse dizer isso após já ter tentado escalar duas vezes a perigosa Annapurna, mas o G2 conseguiu superar.
Inclusive, meu objetivo esse ano era escalar Broad Peak, o Gasherbrum II e o Gasherbrum I. O G1 está ao lado do G2 e eu já estava ali, aclimatado. Seria “tão simples” apenas subir. Na verdade, o G1 é mais técnico que o G2 e dada as condições, que também não estavam nada animadoras, achei que já havia tido bastante risco para uma temporada. Além do mais, desde o Broad Peak, eu estava com uma tosse muito forte e não estava me sentindo 100%.
Como lidar com a parte psicológica para não desistir diante dos riscos?
Confesso que há momentos que nem mesmo eu entendo. Acho que o que me faz não desistir é o tamanho do meu desejo de terminar esse projeto. Tenho certeza da minha capacidade de realizá-lo.
O preparo psicológico também é algo que vai se aprimorando a cada nova vivência nas montanhas. Embora já tenha chegado ao cume de seis montanhas de 8 mil metros, estive em outras cinco expedições, onde não fiz cume. Foram duas tentativas no Annapurna, duas no Dhaulagiri e uma no Lhotse. Isso dá um total de 11 expedições de 8 mil. Peguei tempestade perto do cume do Lhotse. Na descida, um montanhista búlgaro morreu nos meus braços. Sofri uma queda de 50 metros no Dhaulagir. Perdi grandes amigos para as montanhas.
É um processo que, aos poucos, vai te deixando mais forte. Todos esses acontecimentos me deixaram abalado e ainda me deixam, mas acredito que é como o trabalho de um médico ou de um bombeiro. Você vê coisas terríveis e o tempo te ensina a conviver com elas.
Como você tem custeado as expedições que já realizou?
Eu tenho uma empresa que organiza grupos de trekkings de altitude e expedições para algumas montanhas. É de onde vem a renda que invisto no projeto. Tenho alguns apoiadores também, como a The North Face que me ajuda com os equipamentos.
Tem previsão para a conclusão do projeto?
Com patrocínio eu poderia concluir em 2023. Sem patrocínio realmente fica mais difícil prever.
Qual será o próximo desafio?
Nesse segundo semestre de 2022, vou para o Nepal e talvez invista no Cho Oyu, que é uma montanha de 8 mil, com acesso apenas pela China. Os nepaleses irão tentar abrir uma rota pelo Nepal esse ano. Pode ser que eu tente o Dhaulagiri. Vamos ver como ficam as coisas.
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