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O Everest é a montanha mais alta da Terra, com 8.848 metros de altitude. Todos os anos, durante a temporada de escalada, alpinistas de diversos países vão até o Nepal em busca do sonho de chegar ao topo do mundo. No entanto, nem todos que vão até lá têm o preparo necessário para alcançar o cume, o que acaba sendo extremamente perigoso para a própria pessoa e também para os outros montanhistas que estão ao redor.

Após uma temporada que contabilizou a morte de 11 pessoas, em 2019, e que contou com um verdadeiro congestionamento no ataque ao cume, o governo do Nepal estudou criar regras mais rígidas para evitar que pessoas inexperientes fizessem parte das expedições no Everest. Até 2019, qualquer pessoa que pagasse o valor de US$ 11 mil dólares, poderia tentar escalar a montanha. No entanto, uma comissão que inclui integrantes do governo, especialistas e agências, quer dificultar a liberação das licenças, para que apenas pessoas preparadas recebam a autorização para subir o Everest.

O Everest tem muitos desafios físicos e mentais. | Foto: Carlos Santalena/Arquivo Pessoal

Para entender melhor como funciona esse processo de preparação para participar de uma expedição tão técnica como essa, nós conversamos com o guia Carlos Santalena, que por muitos anos foi o brasileiro mais jovem a alcançar o cume do Everest, aos 24 anos.

Caminho rumo ao cume do Everest. | Foto: Carlos Santalena/Arquivo Pessoal

De acordo com Carlos Santalena, guia da Grade 6 Expedições, para começar o projeto, não é necessário ter experiência, mas quem quer começar do zero precisa percorrer um longo caminho até estar apto o suficiente para encarar o Everest. Esse processo é dividido em cinco etapas:

  • Preparação Física

Carlos Santalena: “O processo de preparação física para quem pretende escalar o Everest começando do zero necessita primeiro, obviamente, de uma avaliação física inicial para que possamos ter parâmetros reais da condição dessa pessoa e aí, sim, quantificar e qualificar o tipo de treinamento, falando especificamente da parte física. Isso evoluindo, constituiria em sua parte final dessa pessoa ter condição plena de realizar de 6 a 7x por semana treinamentos por, pelo menos, 1h30, sabendo dividir de acordo com as suas especificidades a parte aeróbia e anaeróbia. Lembrando que ambas têm a sua importância na preparação física. Uma é interdependente da outra também. Este seria um trabalho focado especificamente no preparo físico.”

  • Técnica de montanhismo e escalada em rocha

Carlos Santalena: “A segunda etapa já entraria no quesito técnico. Então, a pessoa entraria em um curso de escalada básico. Neste curso ela tem introdução ao montanhismo, aprende os procedimentos de segurança, as especificidades de cada equipamento, entende os cuidados com os equipamentos, entre outros conhecimentos, como montagem de ancoragens, equalizações de paradas, técnicas de escalada em rocha, utilização de equipamentos técnicos etc.”

  • Escalada em gelo

Carlos Santalena: “O terceiro passo também é técnico, transferindo o conhecimento da rocha para o gelo, com um curso de escalada em gelo, em que a pessoa tem a oportunidade de traduzir o conhecimento da rocha para um ambiente de altitude, neve e gelo.”

Escalada em gelo. | Foto: Carlos Santalena/Arquivo Pessoal
  • Iniciando em alta montanha

Carlos Santalena: “O quarto passo é o que chamamos de experimental. Nós escolhemos o Equador, por ter uma diversidade de terrenos, que você pode percorrer em um curto período de tempo. Então, no Equador você percorre o terreno rochoso, glaciares, grandes paredes de gelo, montanhas de trekking ou longas caminhadas. Essa viagem é uma ótima experiência em diferentes terrenos e também em altitude. É possível fazer 3 ou 4 montanhas de mais de 5 mil metros de altitude em apenas 10 dias de viagem, perfeito para ganhar experiência.”

  • Teste de altitude

Carlos Santalena: “O quinto e último passo dessa cartilha de treinamento seria o que nós chamamos de psicológico e teste de altitude. Nós escolhemos o Aconcágua para essa etapa. Nós usamos a rota 360, que é mais selvagem. É necessário montar e desmontar acampamento todos os dias da expedição, tem menos estrutura, é necessário dividir barraca e conviver com outros parceiros de expedição, o que obviamente traz para a pessoa maior desconforto psicológico. Em nenhum momento é possível dormir em uma cama muito confortável, nunca tem uma comida pronta. Então, psicologicamente, o Aconcágua proporciona vários testes. Outro ponto psicológico bem afetado no Aconcágua é em relação ao clima. Pois é uma montanha que sofre forte influência dos ventos do Pacífico e que oferece uma instabilidade climática que também estressa o lado mental das expedições. Também é um teste de altitude, por estar em uma região de extremo ar rarefeito, que é o principal fator de dificuldade nas grandes montanhas. Então, no Aconcágua, mesmo tendo 6.961 metros de altitude, a pressão aferida em seu campo base é a mesma do campo base do Everest, que está praticamente mil metros acima. Por esse motivo, de ter uma zona de baixa pressão no Aconcágua que ele seria como um ‘baixo 8 mil’ e que a pessoa, chegando ao cume do Aconcágua com destreza e tranquilidade, dentro dos parâmetros aceitáveis, vai ter condições plenas de chegar na zona da morte do Everest, que seria o acampamento 3, a 7 mil metros, onde começa a suplementar oxigênio. O Aconcágua serve como 5 e último passo, sendo um teste psicológico e de altitude antes de partir para o Everest, onde o fator altitude pode ser um dos principais bloqueios, caso a pessoa não tenha se testado.”

Para encarar o Everest é preciso conhecer bem as técnicas de montanhismo e cordas fixas. | Foto: Carlos Santalena/Arquivo Pessoal

Quanto tempo leva esse preparo?

Seguir todos esses passos e estar realmente preparado para encarar e conquistar o Everest leva tempo e custa muito dinheiro. Santalena explica que se a pessoa já tem um bom preparo físico, tempo e condições financeiras para fazer as viagens preparatórias e todos os treinamentos em um curto período de tempo, seria necessário apenas um ano para estar apto ao Everest. Em geral, alguém que não tem tanto tempo ou dinheiro para as viagens e também precisa melhorar a parte física leva, em média, três anos para se preparar adequadamente para este desafio.

Registro no cume do Everest. | Foto: Carlos Santalena/Arquivo Pessoal

Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.