“Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. O sertão não tem janelas, nem portas. O sertão é sem lugar. O sertão é do tamanho do mundo. Sertão é dentro da gente.”
Se de sertão quem entende é Riobaldo e Diadorim de Guimarães Rosa, a nós a história ficou no imaginário coletivo, deixando assim a curiosidade de um dia conhecer a savana brasileira. E ali está. Aventura e poesia em uma viagem só: Encontrar o cenário da grande obra rosiana em meio à natureza local que proporciona trilhas, mountain bike, remos nas veredas, encontros inesperados com toda a biodivesidade do cerrado.
E que diversidade. Aliás, a visita nos faz desmistificar e mostrar que não só de longos trechos de mata seca o cerrado se constrói: Há verde, muito verde, veredas, rios e frutos para ficar na memória.
O Parque Nacional Grande Sertão Veredas situa-se na trijunção dos estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia, com uma área total de 231.668 hectares. A melhor maneira de acessar a região é vindo de Brasília, em um total de 360 km de distância, onde se chega na Pousada que leva exatamente este nome: Trijunção. Ali existem apenas 7 habitações onde os guias, a maioria deles biólogos, tem o intuito de mostrar o cerrado em diversas formas. Os 35 mil hectares que se unem à area de preservação do parque, foram adquiridaa na época com o intuito de virar um espaço de proteção ambiental contra o aumento da exploração e desmatamento para o agronegócio. Pro lá, residem vários pesquisadores e estudantes que desenvolveram um criadouro conservacionista onde tratam e reabililam animais que estão em extinção.
De 17 mil Lobos-Guará existentes no mundo, 13 estão naquela região. E mais uma turminha bem selvagem: onças pintadas, pardas, raposas, gatos, jaguatiricas, tamanduás-bandeira, veados, antas e uma infinidade de aves de todos os tipos, cores e tamanhos.
O dia no cerrado começa bem cedo. Araras canindés anunciam o amanhecer juntamente com as siriemas, que são o despertador da área. Aí você pode escolher: De bike, a pé, remando ou de 4×4. O legal é escolher um rolê por dia, porque todos valem muito. Um pedal de 30 km em meio às diversas formas do cerrado te leva ao oásis que em meio à aridez e o calor, surge em uma formação natural completamente diferente com árvores de copa, folhas verdes, lagoas e rios. Tudo muda. Essa são as famosas veredas, os óasis do sertão. O mergulho nesse oásis é o mais satisfatório de todos depois de passar por campos limpos, rupestres e lobeira a 38 graus C.
Para explorar os limites dentro do Parque Nacional, 4×4 e caminhadas. Isso porque são 150 quilômetros entre os dois portões de acesso com vários mirantes, cachoeira do Mato Grande e encontro de rios.
Com o 4×4 é uma espécie de safári. E é incrível. Os guias locais conhecem tudo de fauna e flora. O dia passa rápido porque é tanta coisa nova que você assiste por lá que até esquece que está rodando pelo seu próprio país. São 366 avistamentos de Lobos-Guará em 2 anos, ou seja, é bem provável que esse encontro aconteça. E assistir a esses animais da forma mais natural e em seu habitat em meio a sua rotina diária é inacreditável.
E se a pegada for caminhar, entre os trekkings mais famosos estão o Caminho do Sertão, que pode ser dividido em 2 dias e precisa ser organizado com antecedência. O primeiro dia são 20 quiômetros através do corredor ecológico que liga o Parque Nacional ao Parque Estadual da Serra das Araras. No caminho são cânions, casas bucólicas e travessias de rios. Já o segundo um pouco menor, segue em direção ao topo do Morro Três Irmãos. Aí você pergunta: “Mas e o misterioso e temido liso do Sussuarão?” Quem leu a obra de Guimarães Rosa, busca o deserto percorrido pelo jagunço Riobaldo, a metáfora da travessia da vida.
Um estudo feito pelo engenheiro florestal Guilherme Braga Neves concluiu que o autor levou à risca a topografia, os acidentes geográficos e os cursos de rios para escrever sua obra. O romance cita pelo menos 424 localidades reais. Porém o debate já dura anos e anos. Alguns afirmam ser a Serra da Sussuarana, no município de Cocos, outros acham que se trata do Liso da Campina. Os guias locais, ao meu ver, são os que tem a melhor opinião: Não importa o lugar exato, aqui é possível observar em todos os lugares muito daquilo que descreve o jangunço no livro, o sertão e as dificuldades na savana estão em toda parte.
Estão mesmo. Mas as épocas são outras e o que não pode é ser brasileiro e não conhecer esse lado do país. Entre as aventuras no sertão, se “aventurar” com a gastronomia (riquíssima) local é um privilégio. Cagaita, Mangaba, Murici, Baru e claro Pequi. Através de sucos, drinks, arroz, farofas e por aí vai. Cada refeição é uma surpresa maravilhosa. Riquezas sem fim.
Das experiências inesquecíveis do Cerrado é observar o sol cair entre os galhos secos do sertão. Uma bola de fogo que engole a mata no horizonte. E quando achava ter visto tudo, dei de cara com a lagoa das Araras, próxima a área do Trijunção, já com a noite chegando. Resolvemos fazer um remo noturno para observação dos jacarés que ficam na encosta do lago. A lua inteiramente cheia e enorme ainda baixa, refletia sua luz nas águas calmas do lago. E quando só se escutava o barulho dos remos trabalhando, vem o aulir de um lobo guará, para mostrar quem reina por ali. Ao deixar os caiaques na borda do lago, fomos recepcionado por ele, que nos encarou firmemente por alguns minutos, e depois seguiu seus passos pela mata, mostrando que ali era tudo dele.
Como chegar:
Vôo até Brasilia + 360 km de carro até o Parque.
Onde ficar:
Pousada Trijunção, que já faz o percurso Brasilia – Sertão Veredas e todas as expedições.