Escalar os 7 cumes é um projeto que povoa a imaginação da maioria dos montanhistas. O Kilimanjaro faz parte dessas montanhas e é provavelmente a melhor para iniciar o projeto de alcançar os pontos mais altos de cada continente. Mesmo sendo considerada a mais fácil dentre elas, a empreitada exige preparação, conhecimento, equipamentos adequados e um bom psicológico, principalmente para enfrentar as longas horas de ataque ao cume.
KILIMANJARO
Localizada ao norte da Tanzânia, quase fazendo divisa com o Quênia, o Kili, que em massai significa montanha branca e em swahili montanha brilhante, é marcado como o ponto mais alto do continente africano com seus 5895m.
Com SETE rotas para se percorrer e chegar ao topo da África, o caminho que escolhemos foi pela Machame Route, uma das mais populares pela sua diversidade de paisagem e ecossistemas, desde o portão de entrada até o cume, sendo a rota mais cênica de todas! Percorremos por 6 dias, o que percebi ser um bom tempo para aclimatação. Foi lindo, principalmente porque vimos diferentes landscapes passando por pontos icônicos antes do cume, como o Lava Tower e o platô de Shira!
A parte mais marcante de toda a experiência foi o convívio diário com aqueles que percorreram o trajeto ao nosso lado. Os guias locais estão sempre dispostos em fazer com que a escalada seja a menos sofrida possível para a gente, sempre oferecem ajuda extra ou compartilham informações sobre o trajeto e a língua local.
Boa parte do caminho foi feito através de longas caminhadas diárias e o terreno nem sempre foi fácil de se percorrer. Principalmente entre Barranco para Karanga. Usamos a estratégia de sair duas horas mais cedo para percorrer por duas horas e meia uma parede com muita escalaminhada. Essa é a parte mais estreita do trajeto, então nesse ponto o fluxo de pessoas na rota é limitado, passando apenas um por vez. Mas isso não foi um problema, pelo contrário, foi uma das partes mais emocionantes e gostosas. Em determinado ponto da nossa caminhada, o grande grupo de carregadores e guias cantaram canções que fazem parte de sua cultura e celebraram uma linda cerimônia antes de chegarmos ao último acampamento.
No acampamento de Barafu, tivemos poucas horas para descansar, hidratar e nos alimentar. Um dos sintomas e efeitos da altitude é a perda de apetite, e é nessa hora que temos que por a disciplina em prática para que possamos ter energia para as horas seguintes: o ataque ao cume. Dependendo do ritmo de cada um, o horário de saída é flexível, desde que o horário de chegada seja até o meio-dia por segurança.
O psicológico para uma escalada em alta montanha tem grande responsabilidade no sucesso dela. Ter consciência do pensar e desejar. Durante todo o trajeto, o melhor a se fazer é apenas pensar no próximo acampamento, assim, o objetivo se divide em pequenos “possíveis” que quando vemos, está logo aí.
Nossa noite iniciou com a longa jornada de Barafu ao Uhuru Peak às 23h. Escuridão, frio e medo eram fatores que nos acompanharam durante a parte final da ascensão. Com a cabeça baixa e pensamentos direcionados ao mais positivo possível, a luz do nascer do sol começou a iluminar a linha do horizonte, trazendo calor e uma clara visão do caminho que faltava percorrer. Nessa hora estávamos a poucos passos do Stella Point 5.756m um dos três cumes do Kilimanjaro, mas o trajeto continuou por mais ou menos 45 minutos até o ponto mais alto, Uhuru Peak. Com uma ampla visão do Quênia e Tanzânia, avistamos o monte Meru 4565m e Mawenzi 5149m. Glaciares que estão quase desaparecendo e um mar de nuvem completam a experiência.
Mark, guia líder da expedição, chegou ao cume mais de 300 vezes e nos relatou ver a transformação acontecer diante dos próprios olhos, dizendo quão preocupante é o derretimento dos glaciares. Inscrito pela UNESCO em 1987 na lista dos locais que são Patrimônio da Humanidade, o cenário corre risco por conta do aquecimento global e mudanças climáticas. O relatório da UNESCO de 2022 prevê o desaparecimento de um terço das geleiras mundiais até 2050, incluindo o Kilimanjaro, que já perdeu 85% do gelo nos últimos cem anos.
Isso possivelmente resultará em um aumento do custo das expedições, pois terão que ir cada vez mais longe para pegar água, afetando diretamente o turismo na região e na cidade de Moshi.
O caminho de volta para a base acaba sendo mais rápido do que o que traçamos ao topo. De Uhuru Peak até Barafu percorremos em duas horas e meia. Com algumas horas de descanso e alimentação, seguimos o trajeto até o final da tarde rumo ao acampamento de Mweka. Ah, vale mencionar que a rota de volta é apenas permitida para descida. A rota de Mweka, para ascensão, é apenas permitida para carregadores que chegam com suprimentos.
CHECKLIST DE EQUIPAMENTOS:
Localizada perto da linha do equador, o Kilimanjaro é uma montanha com grande incidência de chuvas.
Sendo assim, ter equipamentos adequados para o ambiente fará toda a diferença.
Para a expedição, foi muito importante usarmos roupas sintéticas ao invés das jaquetas de pluma, que quando molhada, perde a sua eficiência térmica.
Calças, luvas e botas impermeáveis também são itens essenciais!
– Jaqueta Thermoball Eco Triclimate
– Bota Vectiv Fastpack Mid Futurelight
– Luva Montana Futurelight Etip
Para ter a maior eficiência possível, o melhor a se fazer é utilizar as camadas de roupas adequadas.
Iniciando pela segunda pele, que fica justa ao corpo, em seguida, fleece, thermoball e uma impermeável/corta-vento.
Ajuste conforme os deslocamentos. É importante prestar atenção para não super aquecer e começar a transpirar, isso resulta em perda de energia e sais pelo suor!
EXTRA:
-Saco de hidratação
-Snack salgado e doce
-Óculos de sol
-Hidratante labial
-Protetor solar
KILIMANJARO EM NÚMEROS:
Trekking total: 62km
Média em kg de equipamentos: 20kg
Altitude de início: 1640m
Ganho total de elevação: 4255m
Altimetria de ataque ao cume: 1300m
Cume: 5895m
Duração: 6 dias
HIGHLIGHTS
Cultura: O que faz do Kilimanjaro uma montanha ainda mais interessante é o contato com os locais que nos acompanham ao topo da montanha. Quanto mais abertos formos para essa experiência, absorvemos aprendizados e conhecimentos de um povo que tem muito a nos ensinar.
Expedição confortável: Com várias opções de companhias que operam nas diversas rotas, a logística acaba sendo parecida. Percorremos todo o trajeto com uma mochila de ataque, contendo os itens que usaremos apenas durante o deslocamento, como água, snacks, roupa e itens pessoais. Enquanto percorremos no nosso ritmo, os carregadores partem na frente com o restante dos equipamentos na duffell, para ter certeza que ao chegarmos no próximo acampamento, tudo estará pronto, para que nossa tarefa seja apenas descansar, hidratar e se alimentar.
Paisagem: Pela Machame Route, iniciamos o primeiro dia de ascensão com longas horas de deslocamento por uma floresta tropical densa, e apenas no segundo dia começamos a ver paisagens mais abertas. Conforme vamos ganhando altitude, a vegetação vai diminuindo e ao cruzar entre os acampamentos de Shira e Baranco, ficamos rodeados de rochas. Ao longo do trekking, avistamos outras montanhas como Meru e no ataque ao cume temos uma vista privilegiada da Mawenzi.
Sentimento: Tem algo de muito especial que nos faz voltar para as montanhas. A experiência de viver no limite mais uma vez, de testar até onde conseguimos e podemos ir, sobreviver com o básico e extremo para que quando voltarmos para o conforto podermos valorizar ainda mais. Compartilhar as diferenças e semelhanças. Nessa expedição um dos integrantes do grupo disse: “Se fizemos algo tão grande por vontade e escolha, pensa o que não fazemos por necessidade” Acho que é exatamente isso que a montanha ensina, que temos muito mais capacidade do que imaginamos.
ALÉM DO KILI
Tanzânia é um país muito diverso, abriga os três maiores lagos do continente africano, Malawi, Vitória e Tanganica. A cratera de Ngorongoro, local de milhares animais selvagens e um dos melhores pontos para se fazer safari no mundo, assim como o Parque Nacional de Serengeti, que abriga a maior migração animal de mamíferos do mundo.
Ao sul do país, o arquipélago de Zanzibar, com águas cristalinas na costa da África Oriental, que além da cultura e influência swahili e islâmica, é repleto de vida selvagem, tartarugas gigantes, macaco colobus e golfinhos.