Dicas

Ao passar dos 3000 metros de altitude, é realmente importante que se tenha uma estratégia de aclimatação. As melhores estratégias vão depender do corpo de cada um e você só vai saber qual é a que melhor se adapta a você através de experiência.

Entendendo um pouco melhor a altitude e como o seu corpo se adapta a ela, é hora de planejar a sua ascensão. Para isso recomendo as seguintes dicas que devem ser levadas em conta na hora de montar uma estratégia de aclimatação:

  • A segunda tentativa é para poucos: Se você acabou de tentar o cume de uma montanha com mais de 6000 metros de altitude, dificilmente você vai conseguir tentar esse cume novamente dentro do prazo de alguns dias, a não ser que você seja experiente e conheça bem o seu corpo. Você precisará de um descanso de, pelo menos, 2 dias em altitudes inferiores antes de tentar uma grande montanha novamente. Sua estratégia, portanto, deveria estar focada em tentar o cume uma só vez e no dia certo. Se você incluir segundas chances no seu plano, não esqueça de incluir dias extras de descanso.
  • Descanso é parte da aclimatação: Lembre-se que a maior parte da produção celular acontece quando você está parado. Ou seja, quando o seu corpo está em movimento constante, ele não está se aclimatando muito bem. Um bom plano de aclimatação deve incluir um ou mais dias de descanso.
  • Desça para descansar: Um descanso em altitudes inferiores é uma forma excelente de firmar a aclimatação no seu corpo e se recuperar.
  • “Engane o seu corpo para aclimatar melhor: Ao expor o seu corpo à altitude, os seus quimiosensores de oxigênio demoram algumas horas em identificar a baixa no oxigênio. Seu corpo, portanto, produz células vermelhas baseado na altitude onde passou a maior parte do dia. Uma excelente estratégia que se utiliza disso, é aproveitar para levar parte da nossa carga de comida e equipamentos até certa altitude e descer para descansar em altitudes inferiores. Chamamos essa estratégia de “carregar alto e dormir baixo” e parece ser a estratégia mais eficiente em grandes altitudes.
  • A exaustão não ajuda em nada: Chegar exausto a um acampamento não vai ajudar em nada na sua aclimatação. Num caso de exaustão, o seu corpo vai priorizar a recuperação física no lugar da adaptação às altitudes. É de vital importância que você se resguarde e não gaste demasiada energia, mesmo que você a tenha. Como você vai ter tempo de se recuperar depois, o dia de ataque ao cume é a única situação onde o oposto é aceitável. É importante lembrar que a subida ao cume é somente metade do caminho.
  • Não suba mais que 1000 metros por dia: Durante a escalada de uma montanha de altitude extrema não é recomendável ganhar mais que 1000 metros por dia entre acampamentos. Temos que dar um tempo para que o corpo passe pelo menos do processo de aclimatação de curto prazo. Não leve isso ao pé da letra, pois não é toda montanha que oferece um acampamento há exatamente 1000 metros mais alto que o último.
  • Só passe dos 7500m para ir ao cume: A permanência em altitudes superiores a 7300~7500 metros não ajudará em nada na sua aclimatação. Subidas nestas altitudes requerem longos períodos de descanso, e é somente recomendável superar essa linha durante a subida ao cume da montanha em questão.
    Caminho ao cume do Gasherbrum 2 - 4 - Foto de Maximo Kausch
    Caminho ao cume do Gasherbrum. – Foto: Maximo Kausch

Quanto tempo a aclimatação fica no seu corpo?

Sua adaptação hematológica vai ficar no corpo por um tempo no entanto será eventualmente absorvida. Ela não é acumulativa. Quando o excesso de células vermelhas não for mais necessário, será descartado pelo seu corpo.

O descarte começa a acontecer dias depois de você descer para altitudes normais e dura entre 2 a 8 semanas dependendo do seu metabolismo, tempo, altitude e genética. Se você voltar para a altitude dentro desse prazo, terá alguma aclimatação remanescente no seu corpo. Caso contrário você vai ter que aclimatar todas as vezes que você voltar para as montanhas. Claro, quanto mais tempo você passa em altitudes normais dentro desse período, menor é a altitude para a qual você pode ir sem aclimatar.

Por exemplo, se você está escalando várias montanhas com mais de 6000 metros na mesma expedição e descer para altitudes normais para descansar por até 5 noites, dificilmente você vai notar uma diferença na sua próxima montanha.

maximo kausch andes 6k
Maximo Kausch em escalada pelo projeto Andes 6k. – Foto: Gabriel Tarso

Aclimatação prévia

Se você quer escalar uma montanha que requer semanas do seu tempo mas você não consegue ficar tanto tempo seguido longe de casa; ou se você está simplesmente tentando aumentar as suas chances de alcançar o cume de uma grande montanha, aclimatação prévia é o que você está procurando. Existem 3 formas de aclimatar antes de enfrentar uma grande montanha:

  • Câmaras hipobáricas: muito usadas por pilotos para simular a despressurização repentina da cabine de aviões. Esta tecnologia simula a altitude através da despressurização de uma câmara hermeticamente fechada. Estas estruturas são um tanto caras e requerem bastante engenharia para funcionar. Geralmente elas são limitadas à uso de forças aéreas, algumas universidades ou de grandes empresas de aviação comercial.
  • Tendas normobáricas: Chamadas também de barracas hipóxicas, consistem em estruturas semelhantes às barracas, que podem ser montadas sobre a sua cama por exemplo. A ideia aqui é diminuir a concentração de oxigênio na mistura de ar que você está respirando. Do normal de 21%, elas conseguem reduzir para até 12% de oxigênio no ar, simulando assim a hipóxia de altitude. Note que nesta simulação de altitude a pressão, frio ou ar seco não estão sendo simulados. No entanto, trata-se de uma forma dezenas de vezes mais barata do que uma câmera hipobárica. Muitos atletas utilizam o mesmo princípio para treinar e melhorar a sua capacidade aeróbica. Neste caso são usadas máscaras ligadas à um aparelho que altera o ar antes dele ser inspirado. A vantagem deste processo está certamente na redução da degradação do vigor físico que acontece quando expomos os nossos corpos a grandes altitudes.
  • Escalar montanhas menores: Esta é a melhor forma de aclimatar para grandes montanhas. A ideia aqui é escalar uma montanha de altitude um pouco mais baixa do nosso objetivo final, descer, descansar e escalar a última montanha em um único puxão. Há que ter cuidado com o tempo que demoramos entre montanhas para não perder essa aclimatação. Por exemplo, se você decidir escalar o Everest e aclimatar no Aconcágua, você certamente não estará suficientemente aclimatado quando chegar aos 6000 metros no Everest. Realisticamente você terá perdido ao redor de 2 semanas entre descer do Aconcágua, ir para o Nepal, aproximar o Everest e chegar aos 6000 metros de altitude. Nesta estratégia é necessário um bom balanço entre descanso versus permanência em altitudes baixas. Você não deveria demorar muito tempo entre montanhas, tampouco pode ir muito rápido e não deixar o corpo descansar.
    maximo kausch andes 6k
    Maximo Kausch em escalada pelo projeto Andes 6k. – Foto: Gabriel Tarso

 


Escrito por

Maximo Kausch

Maximo Kausch é alpinista, especialista em montanhas de altitude, guia, professor e recordista mundial por ter escalado 83 montanhas com mais de seis mil metros de altitude na região dos Andes. Além de dar cursos de montanhismo e alpinismo, uma de suas grandes missões é desbravar locais ainda inexplorados.