O mundo está cheio de
lugares incríveis, muitos deles nos captam de forma intensa e profunda antes
mesmo de termos a oportunidade de conhecê-los pessoalmente. Foi isso o que
aconteceu com a Dani Garbiatti. Entre tantos destinos, ela foi captada pela
Laguna Humantay. Por muito tempo ela via as fotos pela internet fascinada com a
beleza deste lugar, sonhando com o momento em que poderia viver aquela paisagem
e a aquela energia pessoalmente.
O momento de
transformar sonhos em realidade chegou, mas ninguém disse que seria fácil.
Fazer um trekking na altitude não é nada fácil, mas quando se tem muita
vontade, os maiores desafios se tornam transponíveis. E nessa Memória de
Montanha, a Dani provou que os limites existem para serem superados!
Confira abaixo o
relato completo:
“Sempre que via as fotos na internet eu ficava
encantada. Que lugar mágico!
E pensava: eu preciso ir até lá e ver essa maravilha
com meus próprios olhos. Eis que o grande dia chegou.
A Laguna Humantay é uma das mais altas do mundo
(localizada a aproximadamente 4.200 m acima do nível do mar). Ela está situada
na base do nevado de Humantay, ao lado do famoso nevado de Saltkantay, na
região de Cusco, mais especificamente na província de Anta, nas proximidades de
Mollepata.
Essa incrível laguna é formada pelas águas do degelo do nevado de mesmo nome. Sua coloração em tons de turquesa (que variam de acordo com a luz), encantam e fascinam todos que têm a oportunidade de chegar até ela.
A Laguna Humantay está localizada a, aproximadamente, 4.200 metros de altitude. | Foto: Dani Garbiatti / Arquivo Pessoal
Talvez tenha sido sua cor que tenha me
fascinado desde o início ou o fato de estar aos pés deste incrível nevado. Não
sei dizer ao certo, mas eu precisava ir até lá, eu precisava respirar aquele
ar, sentir aquele vento. Eu sabia que não seria fácil e, de fato, não foi!
Não tive problemas com o mal de altitude, mas o
terreno irregular e íngreme exigiu muita atenção e um esforço físico
gigantesco. Saímos em grupo rumo a laguna, mas aos poucos eu fui ficando para
trás, pois precisava parar com muita frequência. As pernas doiam muito e eu não
queria utilizar o cavalo (é muito triste ver o esforço que eles fazem para
subir), eu precisava chegar lá com minhas próprias pernas.
A linda paisagem, o som do riacho que corre
pertinho da trilha e o cheiro das plantas encontradas pelo caminho me motivavam
a seguir. Eu estava quase lá, mas as pernas já não me obedeciam mais. Eu pensei
em desistir, não tinha mais forças. Fiquei muito triste.
Foi então que eu olhei para baixo e percebi o
tanto que eu já havia subido. Em poucos segundos, vi passar diante dos meus
olhos um filme da minha vida inteira, com todas as dificuldades e barreiras que
eu já havia enfrentado até aqui.
Foi difícil segurar a emoção. Chorei inconsolavelmente. Meu Deus, aquela montanha estava me ensinando tanto!
“O que vi na sequência, quando consegui finalmente chegar lá em cima, nenhuma foto e nenhuma palavra será capaz de definir.” | Foto: Dani Garbiatti / Arquivo Pessoal
Olhei novamente para cima e vi meus amigos me
incentivando. Respirei fundo e segui adiante. O que vi na sequência, quando
consegui finalmente chegar lá em cima, nenhuma foto e nenhuma palavra será
capaz de definir. Eu consegui! Eu estava lá, vivendo de fato tudo aquilo. Como
eu agradeci por isso. Como eu agradeci por estar viva para poder estar ali. Foi
um misto de superação, gratidão e alegria. Que lugar! Que vibe! Que lição eu
tive aquele dia! A montanha é viva e nos ensina, ensina muito. Nenhuma dor ou
dificuldade é tão grande que não possamos superá-la! Jamais vou me esquecer
disso.” – Dani Garbiatti
Quem
nunca resolveu aceitar um desafio que era para ser apenas uma brincadeira, que
atire a primeira pedra. Sabe aquela conversa entre amigos que sempre acaba em
aposta ou em uma furada? Foi quase isso que aconteceu com a Luisa Mazarotto. Ela
e um amigo planejavam uma aventura tranquila de fim de semana, até que o terceiro
integrante lançou uma ideia de brincadeira. A sugestão era tão boa que eles não
tiveram como não se jogar no desafio. O resultado: o trio explorou boa parte da
Serra de Ibitiraquire em 1 dia só!
Se você
não está familiarizado com esse nome, saiba que essa é uma região de trekking
muito desafiadora no Paraná. Só esse detalhe já dá para ter noção do tamanho da
missão que os três tinham pela frente. A Luísa contou pra gente todos os
detalhes dessa Memória de Montanha. Confira:
‘Escolhi
uma história que aconteceu aqui perto, na nossa Serra do Ibitiraquire! Temos um
terreno super desafiador por aqui, tanto que o montanhista paranaense tem a
fama de encarar qualquer coisa, devido à dificuldade que temos em trilhas por
aqui. E, essa foi, definitivamente, a caminhada mais difícil que eu já fiz.
Vamos lá!
Tudo
começou com uma ideia maluca. Eu e o Caius Marcellus iríamos caminhar e
convidamos o Lucas Feltrin para ir junto, mas ele disse que só iria se fôssemos
até o Agudo da Cotia, fazendo a trilha conhecida como ‘por cima’, que envolve
passar por vários cumes para acessar o Pico Ciririca, para, então, ir até o
Agudo. Lógico que era piada. Mas, a gente topou (risos)! Até o momento, nós não
tínhamos conhecimento se alguém já teria feito esse percurso de ataque. Muitas
pessoas levam até três dias para concluir, mas nossa ideia era fazer no bate e volta
mesmo.
Partimos com mochila de ataque contendo GPS, kit primeiros socorros, 2 lanternas, anorak, segunda pele, calça, bastante comida e suplementação, além de uma boa hidratação. Nós saímos um pouco antes do sol nascer rumo ao primeiro destino: o pico Camapuã. A subida foi um pouco lenta, pois estávamos poupando o corpo para tudo que viria pela frente. Após alcançado o cume do Camapuã, fomos diretamente para o segundo ponto, o Pico Tucum. Ali bebemos um pouco de isotônico, comemos algo rápido e já partimos para o Cerro Verde, nosso terceiro destino. Dali pra frente a caminhada é muito legal, são vários cumes com alguns trechos em campos de altitude, o que possibilita vista das montanhas que temos que subir o tempo todo!
Trajeto percorrido pelo trio, marcado no GPS
Saímos do Cerro Verde em direção ao quarto cume, o Cerro Luar. Um gel de carboidrato depois e fomos para o quinto cume, o Siri! Em todos esses cumes nós nos alimentamos, mesmo que com algo pequeno. Uma coisa muito importante, ao menos pra mim, nessa caminhada, foi não sentir fome, comer sempre alguma coisa para o corpo não sentir falta de nada e se manter em atividade sem declínio. Do Siri partimos até o ‘última chance’, o último ponto de água antes da subida do Ciririca. Ali, nós nos reabastecemos e partimos para mais um cume.
“Nosso time (Caius Marcellus na esquerda, eu no meio, Lucas Feltrin na direita) no cume do Agudo – com roupas quentes porque começou a esfriar.” Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal
O Ciririca tem a fama de ser o ‘K2 paranaense’, devido à sua extensa e cansativa trilha. Do cume do Ciririca podemos avisar nosso último objetivo, o Agudo da Cotia. Essa é a última montanha da serra do Ibitiraquire. Desde o cume do Ciririca são aproximadamente 3,5km somente de ida. Para chegar até lá, enfrentamos a pior descida que conheço na nossa serra. Descer o Ciririca pelo outro lado é super perigoso e bastante íngreme. Fomos com muito cuidado, curtindo a paisagem e felizes por estarmos fisicamente bem. Para chegar ao cume do Agudo da Cotia foi complicado, estávamos de shorts (trajes de corrida são mais ágeis para um ataque) e nossas pernas foram retalhadas pelos capins navalha e a quantidade imensa de caraguatás presentes na trilha até o cume (eu tenho cicatrizes até hoje desses cortes, risos!).
“Foto tirada do Ciririca – as três pontinhas ao fundo são os Agudos, o Agudo da Cotia é o maior.” | Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal
O jeito foi engolir a dor e correr para o cume, e que cume! Sem vista nenhuma, sem caixa de cume, tem somente um cano de PVC com um caderninho. Acho que as pessoas ficam com preguiça só de pensar em carregar furadeira e uma caixa de cume para instalar lá (risos)! Enfim, estávamos lá, no nosso sétimo cume do dia, nos alimentamos bem e começamos a preparar o psicológico para encarar o trajeto até o Ciririca. Ainda bem que eu tinha uma calça legging na mochila. Eu tive que colocá-la para aguentar passar pela trilha novamente, pois minha pele estava machucada demais. Nós assistimos ao pôr do sol nesse trajeto, fiz até uma panorâmica nesse lugar inóspito e bonito para registrar o momento.
“Panorâmica do vale feita a partir do cume do Agudo.” | Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal
A subida para o Ciririca foi legal, foi com uma escalaminhada em rampas de pedras e caratuvas (um arbusto típico de cumes na nossa região). Sentamos, aliviados, no cume do Ciririca para fazer uma super refeição, o que seria nosso jantar, e nos levaria até a Chácara. Ficamos tão aliviados ali, que nos sentimos em casa, o problema é que do cume do Ciririca até a fazenda são aproximadamente 8km duros. Nós partimos, já no escuro e, à medida que íamos caminhando, nosso psicológico começava a falhar. Caminhamos cada vez mais lentos, todos quietos, querendo chegar logo, cansados, com sono, e por aí vai. Fomos nos destruindo psicologicamente, foi uma loucura. É uma coisa comum de se acontecer quando levamos nosso corpo ao limite, cabe a nós tentar lidar com isso. Os meninos começaram a brincar de apostar corrida em alguns trechos, inclusive em uma subida gigantesca que existe na volta, que nos leva até a bifurcação da trilha do Ciririca com a do Camapuã. Eu parecia um verme rastejando nessa subida, nunca fiz ela tão devagar! Depois de chegar na bifurcação, eu tinha vontade de chorar de alegria. Mas o silêncio tomou conta novamente dali pra frente, pois ainda faltava um longo trecho até o carro, cruzar muitos rios no escuro, cuidar para não escorregar em nenhum trecho perigoso, atentar às cobras no caminho etc.
“O Sol se ponto atrás do Ciririca no nosso retorno.” | Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal
Não
foi fácil, mas chegamos na Chácara por volta de 1h30 da manhã! Decidimos dormir
ali, para não pegar a estrada de madrugada. O Lucas foi direto para o carro e
dormiu de tênis, passou a noite toda sem se mexer! Eu e o Caius fomos fazer
algo quente para comer, então fomos dormir. Lógico que esquecemos de alongar o
corpo, então no dia seguinte estava tudo doendo!
Isso
tudo aconteceu em meados de 2018, ainda falamos em repetir a empreitada
incluindo os outros Agudos, mas até agora não criamos coragem (risos).’
O Manaslu é uma das 14
montanhas com mais de 8 mil metros de altitude espalhadas pela cordilheira do
Himalaia. Essa foi a primeira alta montanha da vida do Moeses Fiamoncini, mas
não foi apenas a conquista do cume que marcou a experiência dele na montanha.
Enquanto voltava do cume em direção aos acampamentos mais baixos, ele se
deparou com um cachorrinho sozinho, passeando por entre as gretas e a neve que
separa o acampamento 1 e o 2.
Moeses alimentou o
animalzinho e ele foi um grande companheiro até o acampamento base. Algum tempo
depois eles se encontraram novamente em um vilarejo e o montanhista teve
certeza de que esse é, provavelmente, um dos cachorros mais felizes do mundo. O
encontro deixou muitas lembranças e uma memória maravilhosa e totalmente
inesperada do Manaslu.
Confira abaixo os detalhes
desse encontro:
“Foi com grande surpresa e
emoção que fiz uma amizade inesperada na oitava montanha mais alta do mundo, o
Manaslu, a 8.163 metros. Depois de fazer cume com Sergi, no dia seguinte,
descendo para o campo base, nós encontramos esse cachorrinho sozinho entre o
campo 2 e campo 1, a 6.150 metros de altitude.
Quando encontrei-o ele estava subindo, provavelmente atrás de comida nas barracas. Esse cão montanhista, que não estava usando botas, crampons, cordas fixas e nem oxigênio, me surpreendeu com tanta energia e felicidade de estar onde estava, pensei até mesmo que poderia ser a reencarnação de um Monge Lama (risos)!
Alimentamos ele no campo 1
e descemos junto até o campo base, sempre correndo para baixo e para cima. Senti
que ele era cachorro mais feliz do mundo. Chegando ao campo base, ele correu
novamente até mim, fiz um carinho nele e saiu correndo feliz da vida.
Pensei que não iria vê-lo
nunca mais. Mas, uma semana depois nós encontramos o mesmo cachorrinho em
Samagaun, uma vila que está a 5 horas de distância do campo base do Manaslu.
Ele logo me reconheceu e ficou ao nosso lado o tempo todo, jantou com a gente e
depois, entre muitas portas fechadas, foi arranhar exatamente a porta onde
estávamos e dormiu na cama conosco a noite toda.
No dia seguinte eu queria
ficar mais tempo na cama, mas ele queria sair pois já era hora do café da manhã
(risos)!
Ele saiu correndo e já não
o vi mais. Sempre imagino-o correndo feliz pelas montanhas, o lugar onde ele
escolheu para viver suas experiências nesta incrível jornada chamada vida. Sinto saudades e continuo pensando neste
acontecimento com muito amor e carinho. Espero que ele esteja bem!
Em tempos difíceis, este é um grande lembrete de que a felicidade está nas pequenas coisas e também, mais do que nunca, dentro de nós mesmos.”
Acampamento 1 do Manaslu após uma noite com muita neve. | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal
O Aconcagua (Argentina) é a montanha
mais alta da América do Sul. Apesar de seu cume estar a 6.962 metros de
altitude, ela tem condições climáticas e atmosféricas que o tornam muito
parecido com outras montanhas acima de 8 mil metros de altitude. Esse é o
destino de muitos montanhistas que estão começando em alta montanha e também um
lugar para viver experiências intensas e colecionar aprendizados.
A guia de montanha Aretha Duarte tem um
carinho especial pelo Aconcagua. Lá ela viveu momentos de superação em que
contou com o apoio de amigos e em outra oportunidade conseguiu repetir o mesmo favor
para inspirar outras pessoas a se superarem e conquistarem o grande objetivo: o
cume da América.
Confira abaixo os detalhes dessa história:
“A
primeira alta montanha que visitei foi o Aconcagua, numa oportunidade de
trabalho, fui até o Campo Base mais tradicional deste monte, Plaza de Mulas
(4.300 metros), no ano de 2011. Um
trekking recomendado para pessoas sem experiência. São 4 dias de caminhada
dentro do Parque Provincial Aconcagua. Confesso que essa não foi a experiência
mais fácil que já realizei em altitude, mas com certeza despertou-me uma grande
paixão. Já visitei 7 países praticando outras expedições, mas, foi neste mesmo
monte, que voltei outras quatro vezes para viver as minhas mais intensas experiências
em alta montanha. Nestas novas oportunidades subi pela Rota 360 Graus, permitindo
que eu passasse por dois lados do gigante Sentinela de Pedra como é conhecido,
sempre subindo por Punta de Vacas e descendo por Horcones.
Quando recebi o primeiro convite para voltar ao Aconcagua a fim de tentar chegar ao topo, com seus 6.962 metros de altitude, me emocionei e recordei o quão difícil tinha sido minha primeira experiência nesta região, por isso me dediquei a treinar fisicamente com muito afinco. Assim, na primeira vez que cheguei ao topo do Aconcagua me sentia muito forte, muito à vontade e grata por uma experiência tão agradável. Mas, essa impressão não se repetiu nos anos seguintes. Mantive os treinamentos físicos e psicológicos em dia, sempre me sentindo mais confiante e segura a cada nova visita. Retornei 4 vezes ao Aconcagua, guiando grupos da Grade6 em expedição ao topo das Américas. Este é um roteiro de 20 dias, sendo que de 14 a 17 dias são passados direto na montanha, com múltiplas adversidades. O ambiente é extremamente hostil pela grande altitude, baixa pressão atmosférica, terreno muito acidentado, grandes desníveis, baixa umidade relativa do ar, infra-estrutura muito restrita, longo tempo na montanha etc., até por isso, esse, sem dúvida, pode ser um excelente passo na preparação de quem almeja escalar um 8 mil no Himalaia.
São exatamente as grandes dificuldades inerentes à Expedição Aconcagua que me deixam apaixonada pela montanha, sempre aprendo muito com ela. Senti que nesta montanha não há segregação. Todos os montanhistas (clientes ou trabalhadores) se igualam, se solidarizam uns com os outros. Todos se concentram num objetivo comum, o cume, e se ajudam a fim de deixar essa moderada estadia, um pouco mais leve e divertida. Fiz muitos amigos no Aconcagua, principalmente argentinos.
A expedição que leva ao cume do Aconcagua é cheia de desafios físicos e psicológicos. | Foto: Aretha Duarte/Arquivo Pessoal
Na minha terceira escalada rumo ao cume do Aconcagua, me vi perdendo forças diante de uma limitação mental. Estávamos no último acampamento, Coléra (5.950 metros), era madrugada, acho que por volta das 4h da manhã, saímos com o grupo para o planejado ataque ao cume, estava frio. Como de costume, essa não tinha sido a melhor noite na montanha, a essa altitude nós mal conseguimos descansar. Eu já me sentia baqueada, com cólica e fraqueza, sentia que não tinha a disposição necessária para um dia tão exigente como esse, seriam pelo menos mais 8 horas até o topo. Não comentei com ninguém, decidi observar o que aconteceria e seguir passo a passo, sempre em frente. Naquele dia nosso grupo estava bem enxuto, tínhamos em média um cliente por guia, não era fundamental eu participar da ascensão. Mas sempre entendi que a nossa mente nos impõe limites falsos, então, enfrentei. Após uma hora e meia de caminhada, na parada programada, Campo Independência (6.200 metros), tiramos um descanso de 20 minutos, nos alimentamos e hidratamos. Eu me sentia muito fraca, com a sensação que ali era mais seguro voltar sozinha ao Campo Colera do que seguir em frente com o grupo e apresentar um quadro pior de saúde, tendo que obrigar mais um guia a descer comigo. Foi quando falei com o guia argentino, um grande amigo, Carlitos, e ele disse: se te parece melhor, pode descer, aqui ficarão todos bem. O grupo estava em segurança. Fiquei tranquila ao receber essa mensagem e comecei a planejar o que faria para a recepção deste grupo após o cume. Eu decidi que deixaria muita água pronta e uma deliciosa sopa para quando voltassem do cume. Sem dúvida isso seria especial, pois sei bem como todos ficam debilitados após o cume do Aconcagua, mas decidi comunicar ao outro guia, o Carlos Santalena, brasileiro, que não titubeou em me olhar nos olhos, fazer uma 3 perguntas para atestar meu bom estado de saúde e decidir que eu ia subir, que eu não devia descer dali, não era um estado que merecia essa decisão. Então, ele disse: ‘Você vai subir. Tá comigo!’ Foi aí que eu senti o meu corpo mudar a temperatura, como se enchesse de energia dos pés a cabeça e me deixasse em estado de alerta. Decidi escutar o segundo Carlos e seguir ao cume. Confesso que dali em diante não senti mais nada, fiquei bem, me senti forte e com zero mal-estar.
Cume do Aconcagua a 6.962 metros de altitude. | Foto: Aretha Duarte/Arquivo Pessoal
Chegamos todos ao topo do Aconcagua e quando retornamos ao Campo Colera, já era noite. O grupo estava exausto, mas ainda me sobrava energia para ajudar cada um deles a remover as botas duplas e grampons, bem como servi-los com água, chá e sopa. Uma dia memorável e que fez diferença ouvir do meu amigo o atestado de que eu podia subir, uma palavra de motivação fez a diferença. Sou apaixonada por esse pico, porque foi nele que vivi minhas mais intensas e difíceis empreitadas. Na minha última visita, em janeiro de 2019, estávamos com um grupo muito forte, treinado, cheios de vontade de chegar ao topo das Américas. Eu estava confiante, já conhecia bastante das entrelinhas desta expedição, mas como em todas as outras tivemos que utilizar os dias extras na montanha, isso deixou o grupo bastante estafado. Foram pelo menos quatro dias ociosos entre os acampamentos, mas na última oportunidade de cume que tínhamos em nossa programação, saímos para o ataque. Como de costume eu ia fechando o grupo e observando os diversos ritmos, cadência e biomecânica da caminhada dos clientes. Em certo momento nos separamos e restaram dois guias rumo ao topo, o Carlos Santalena com a maior parte do grupo à frente e eu com um cliente, o Istvan, que tinha sido meu professor na Faculdade de Educação Física na PUC. O guia Eduardo Cotrim tinha voltado ao Campo Cólera com um cliente. Essa era minha quarta tentativa de chegar ao cume do Aconcagua, mas isso já não me importava, eu queria muito ver todos os clientes chegarem e experimentarem essa delícia que é alcançar seus objetivos, transpor os limites mentais. Mas, o István, estava bastante desconfiado, cansado, inseguro, por diversas vezes na subida declarava que bastava para ele, nos distanciamos muito dos grupo na linha de frente. Quando chegamos à Cueva (6.650 metros) o István já apresentava dificuldades para respirar e lhe faltava energia para seguir caminhando. Mas, o pior mesmo era que ele tinha metido na cabeça que aquilo estava além de todas as experiência que já havia vivido, estava extenuado. No entanto, eu sabia que aquele não era o limite dele, ele tinha condições de saúde para seguir em frente, conversamos bastante e decidimos seguir um pouco mais e lentamente, atentos a cada movimento, a fim de garantir o deslocamento em segurança no trecho mais técnico desta ascensão, assim seguimos Aconcagua acima. Em condições normais seria uma hora até o cume. Quando recebi o contato do Carlos, dizendo que ele e os demais tinham chegado ao cume, todos estavam em êxtase, muito felizes e aguardavam a nossa chegada.
Aretha e os outros guias da Grade 6 no cume do Aconcágua. | Foto: Aretha Duarte/Arquivo Pessoal
O ideal seria eles esperarem no máximo
mais 30 minutos, se alimentarem, hidratarem e descerem para garantir uma
descida ainda com energia e disposição. Mas, O István parou, pediu para
descansar, queria descer. Eu o respeitei, encontramos um pequeno platô, pedi
que ele sentasse, tomasse um sachê de carboidrato e hidratasse para descermos,
conforme o desejo dele. Eu o perguntei se era aquilo mesmo que ele desejava
fazer, que eu estaria com ele o tempo todo e respeitaria a vontade dele.
Enquanto isso, muitos grupos passavam por nós rumo ao cume, as pessoas estavam
extremamente cansadas, lentas, verdadeiramente debilitadas. Enquanto eu pedia
para o István, ficar tranquilo, respirar profundamente, também comentava ‘veja
como eles estão cansados, claramente mais cansados que você’.
Sondei os sintomas que ele apresentava e me parecia em condição de chegar ao topo, cansado, mas tinha saúde para isso. Então, o Carlos me chamou pelo rádio e perguntou se estávamos subindo ou não, até aquele momento desceríamos, mas eu sentia que o István tinha condição de chegar, então pedi um momento ao Carlos e disse ao István: ‘Eu sei que você está cansado, mas vale eu ressaltar, ninguém, ninguém chega ao topo das Américas sobrando em energia, estamos muito perto e eu sei que você pode chegar em segurança. Vamos!’ Creio que nessa hora o István juntou as peças: tinha gente pior que ele seguindo em frente, além disso, eu atestava que ele chegaria em segurança. Ele tomou fôlego e respondeu que ia sim tentar chegar ao fim. Eu prontamente retomei o rádio e, com eco, cheia de alegria e esperança, disse:
‘-Carlos, podem esperar aí que eu e o
István estamos chegando. Copiou?’
O Carlos imediatamente respondeu, dessa
vez em espanhol:
‘-Venga, Venga Aretha que vamos esperar todos!!!’
Foram mais trinta minutos de ascensão,
sendo que o Carlos e seu grupo já estavam no topo há pelo menos uma hora. Todos
aguardavam o István. O abraçaram, choraram, riram, comemoraram e o Carlos
gritava: ‘Uma máquina essa Aretha, uma máquina’, enquanto eu sinalizava
mostrando 4 dedos e falava: ‘- É tetra, é tetra!!!’
Eu não levei o István, em nenhum momento o carreguei, ele chegou por conta própria, só precisou enxergar dentro dele o poder que tinha.
Dia de ataque ao cume. | Foto: Aretha Duarte/Arquivo Pessoal
Fiquei muitíssimo feliz e entendi que é
muito mais gratificante contribuir para que o outro chegue, alcance, conquiste,
faça e realize! As demais coisas, sempre serão acrescentadas.
Descemos todos juntos do cume, já
desidratados. Por sorte, o guia Eduardo já tinha preparado água e sopa para
todos. Nós dormimos e no dia seguinte descemos ao Campo Base Plaza de Mulas,
onde celebramos como de costume.
Sempre volto do Aconcagua muito forte, compreendendo novos limites, sendo mais tolerante, paciente e entendendo que o que nós precisamos para viver bem, não tem preço. O essencial é fazermos uns pelos outros.”
Comemorando a chegada ao cume, junto com o István. | Foto: Aretha Duarte/Arquivo Pessoal
Pela primeira vez nós teremos um Summit Experience no Brasil! O destino escolhido foi a Chapada dos Veadeiros, GO. Assim como nas edições anteriores, quando exploramos o Atacama e a Patagônia, o roteiro foi pensado para ter atrações exclusivas, muita aventura e o conforto necessário para que você aproveite o melhor da natureza e tenha também uma excelente estrutura na hora de descansar e recarregar as baterias.
O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é um verdadeiro paraíso nacional. São mais de 240 mil hectares de pura beleza natural e muita história. Para se ter noção da sua importância, a Chapada dos Veadeiros é considerada Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO desde 2001. A região está no coração do cerrado brasileiro e além de toda a riqueza em biodiversidade, também traz o histórico dos garimpos, com as antigas rotas hoje sendo usadas pelos aventureiros que passeiam pelo parque.
A imensidão da Chapada dos Veadeiros.
Durante o Summit Experience você terá a oportunidade de se conectar a outros aventureiros e o melhor: contará com uma série de atrativos únicos e personalizados. Para isso, nós escolhemos a melhor estrutura hoteleira da região e a melhor equipe de guias, para que o roteiro do primeiro Summit Experience no Brasil fosse extremamente especial e feito exclusivamente para você!
Informações:
Quando? –> 27 a 31 de maio de 2020 – 4 noites
Investimento –> A partir de R$ 7.500 (o valor pode variar de acordo com a acomodação escolhida)
O que inclui? –> Tudo! O pacote inclui aéreo, traslados, passeios, hotel, todas as refeições, bebidas e seguro viagem.
Hotel –> Pousada Casa da Lua
Reservas:
experience@thenorthface.com.br ou (11) 3060-5835 (WhatsApp).
Vagas limitadas.
O rio que corre por dentro das rochas no Vale da Lua na Chapada dos Veadeiros – Brasil.
Cada viagem é uma nova oportunidade de se conectar com diferentes culturas, experimentas novos sabores, absorver outros elementos, fazer amizades e criar memória que ficam guardadas para sempre na mente e ajudam a nos moldar como pessoas. A jornalista Christiane Mussi sente isso em cada uma das viagens que faz. Apesar de ir sozinha, ela percebeu que, na verdade, essa é uma jornada incrível e zero solitária. Para compartilhar essa experiência com outras mulheres e incentivá-las a saírem pelo mundo, ela, inclusive, criou um projeto chamado @montanhe-se.
Confira
um pouco dessa história:
“A vida é uma crônica e a lembrança pela sinestesia é um dom. Fechar os olhos para poder ver. Sentir um cheiro que traz um toque. O calafrio que recorda um momento. O barulho que traz de volta um lugar. Um gosto que transporta no tempo.
Foto: Christiane Mussi / @chris_mussi
Eu tenho uma personalidade aventureira e
extremamente curiosa. Gosto de viajar para me superar, me surpreender e, claro,
explorar! Considero meu estilo livre e sem frescuras, tanto faz se for no
conforto ou no perrengue, me alimentando de comida boa ou sanduíche, me adapto
a um sofá da metade do meu tamanho com a mesma facilidade que durmo numa cama
kingsize. Quando aprendi a deixar a zona de conforto para me jogar na estrada,
descobri mais sobre mim, sobre as pessoas, os nossos limites e nossas
capacidades. Viajar é uma conquista de liberdade e evolução. Você pode ir por
todos os motivos, mas é viajando que entendemos a razão de estar lá. Eu sou
grata pelos amigos que colecionei viajando e sempre mantenho contato com eles,
não importa onde eles estejam. Eu sou capaz de me comunicar até com uma árvore
para aprender algo novo. Busco experimentar a cultura do ponto de vista local,
pois cada destino visitado, experiência vivida e pessoa conectada formam quem
somos ao longo da vida, é preciso se entregar nessa jornada.
A versatilidade abre oportunidades, é um fato. Cada lugar tem seu próprio estilo e energia, a sensibilidade é que nos permite vivenciar da melhor forma. Quando descobri o trekking, atividade outdoor mais democrática do mundo, passei 17 dias numa roadtrip pela Patagônia e fiquei surpresa com a quantidade de idosos que encontrei subindo montanha como quem anda no shopping. Deixavam nossa juventude trintona no chinelo. Fui até chamada de aliciadora de velhinhos (risos), só porque eu queria conversar com eles e saber como tinham tanta energia, de onde eram, o que faziam. Caminhar faz bem para todos que têm essa capacidade. Num lugar desses, é uma terapia para a mente.
Foto: Christiane Mussi / @chris_mussi
Nessa viagem renovei centenas de vezes
minha gratidão por poder andar, porque, sim, andar é um privilégio, a gente
esquece. Caminhando e parando, fui aprendendo a controlar a respiração, o
fôlego, a emoção, e me peguei contemplando em silêncio a natureza exuberante
que se apresenta no trajeto. Às vezes é tão impactante que uma lágrima brota no
cantinho do olho. Cruzando cenários variados que mudam como papel de parede de
computador, ouvimos os sons primitivos que atravessam o corpo com o vento frio
entre a floresta e o gelo. Incrível!
Nós sentimos e nos tornamos mais reais nesses momentos! A vida é passageira e, independentemente da crença, essa é nossa chance para vivermos de acordo com nossa motivação, não a dos outros. O viajante é solidário. A solidariedade une. A união cura no abraço. Eu me sinto no dever de doar o meu máximo e encontro gratidão para receber o que vem do universo na minha direção. E vem muita coisa boa. Quem doa parte de si sem a intenção de ganhar algo de volta, produz positividade e aumenta a frequência de luz, mesmo que nem todos conheçam o poder dessa energia. A gente sempre encontra essa positividade quando precisa, porque ela está em nós. Atraímos o que transmitimos. Viajar fortalece laços. Cria habilidades. Desenvolve o SER do HUMANO. Vá viajar!
Foto: Christiane Mussi / @chris_mussi
Depois dessa experiência, criei a @montanhe_se para aumentar o conteúdo consciente da vida outdoor realizando também algumas ações, além de destacar a responsabilidade que temos ao interagirmos com o meio ambiente. Nós somos a natureza e devemos cuidar! Hoje, a @montanhe_se está prestes a lançar um passaporte de exploração de montanhas e 51%, exatos, de seguidores do perfil, consiste em mulheres, o que me deixa extremamente feliz de saber que tantas de nós buscam o esporte, a aventura e a superação, além de inspiração para saírem sozinhas da zona de conforto.. E eu, como jornalista viajante, quero continuar contribuindo com essa expansão e fortalecimento, nunca devemos desistir!
Você não pode conquistar todos ao mesmo tempo, na mesma intensidade, mas sempre pode ser tolerante e empático. Nada é coincidência. Tudo faz sentido: as pessoas, os lugares e as condições. Tudo acontece como deve ser para gente evoluir na direção que precisamos, mas nem sabemos. Sinta seu coração. É vivendo os limites e vibrando além dos limites dos outros que vamos aprendendo: NINGUÉM ESTÁ SOZINHO. Nunca. É o lema da montanhe-se, não somos parte, somos a natureza!” – Christiane Mussi / @chris_mussi
Foto: Christiane Mussi / @chris_mussi
“Nossa,
você vai viajar sozinha? Por quê?”. Se você é mulher e já decidiu viajar
sozinha alguma vez na vida, certamente se deparou com essa pergunta. Se você é
homem, mas conhece alguma mulher que viaja sozinha, também já deve ter feito
essa pergunta. Na verdade, a resposta é muito simples: Por que não?
Esse é um diálogo que a jornalista Domitila Becker (@domibecker) teve muitas vezes na vida. Afinal, ela não decidiu apenas viajar sozinha, foi ainda mais longe: largou um emprego na TV Globo para ir desbravar o mundo SOZINHA!
Acampamento na montanha. | Foto: Domitila Becker / @domibecker
Domitila
compartilhou um pouquinho dessa experiência com a gente, confira:
“Imagina a sensação de tentar andar para
frente e ficar escorregando para trás, sem sair do lugar. Parecia um pesadelo.
Eram duas e meia da manhã, o vento estava tão forte que meu corpo não conseguia
ficar reto. O guia simplesmente foi na frente acompanhando outras pessoas e me
deixou lá no escuro. Tentando vencer aquela montanha de areia eu tremia, de
frio e de medo, e só conseguia pensar por que, por que inventei de subir
sozinha esse vulcão na Indonésia sem nenhuma experiência?
O Rinjani é um vulcão ativo de 3.726 metros de altitude, que fica na ilha de Lombok. Tinha visto na internet umas fotos lindas de lá e pensei: se euzinha fui capaz de pedir um ano sabático na TV Globo e sair para dar uma volta ao mundo sozinha, também posso escalar um vulcão ativo! Pesquisei a empresa de trekking mais barata, preparei a menor mochila possível e fui.
Início da trilha. | Foto: Domitila Becker / @domibecker
O começo foi uma delícia, a trilha era
plana e linda. Durante o almoço, que o guia preparou debaixo de uma lona para
fugir do sol, deu para conhecer um pouco mais do grupo, formado por três
casais, dois amigos e um rapaz da Malásia que, assim como eu, estava sozinho.
Mesmo assim, todos perguntavam apenas apra mim, por que eu, mulher, tinha
decidido viajar desacompanhada. Essa foi, aliás, a pergunta que mais escutei durante
esse mochilão de um ano. No começo não sabia o que responder porque eu também
não sabia o porquê. Mas, depois de conhecer 31 países e me transformar como
pessoa, compreendi que a melhor resposta para essa pergunta é outra pergunta:
por que não viajar sozinha?
Depois do almoço, caminhamos umas três horas morro acima até chegarmos na borda da cratera, a 2.670 metros de altitude. Pirei com a paisagem e com o pôr do sol e fui para a barraca suspirando: pela primeira vez eu ia dormir no céu, acima das nuvens. Pena que… não rolou pregar os olhos. O saco de dormir que a empresa fornecia era fino demais, coloquei todas as roupas que tinha levado, uma em cima da outra, gorro, cachecol, meias nas mãos e mesmo assim tive uma noite de cão, congelando dentro da barraca, que chacoalhava sem parar com o vento.
A longa noite “nas nuvens”. | Foto: Domitila Becker / @domibecker
Precisava muito descansar, sabia que o dia seguinte seria difícil. Só não sabia que ia ser quase impossível: numa pirambeira de areia e no escuro. A minha lanterna era uma daquelas de led, sem pilha, que você tem que apertar rápido várias vezes para funcionar, sabe?! É ótima para quando acaba a luz em casa, mas não serve para subir o topo de um vulcão às duas e meia da manhã. E, quando o guia partiu em disparada com o resto do grupo, chorei de raiva de mim mesma. Os dois amigos do grupo que viajavam juntos já tinham desistido de chegar ao topo e essa ideia passou pela minha cabeça, mas me deu muita vontade de provar que eu era capaz.
Comecei a contar meus passos e falar
frases de apoio para mim mesma bem estilo autoajuda do tipo: ‘um, vamos lá,
dois, você pode, três, acredita, quatro, bora, cinco, respira, seis, é isso aí,
sete’. Vi uns dois casais do grupo descendo, eles também tinham desistido.
“Quinhentos e cinquenta e nove, dá tempo, quinhentos e sessenta, o sol não
saiu ainda”. Ultrapassei um outro casal, que estava sentado na areia
tentando retomar o fôlego. Perdi a conta e recomecei ‘um, você já passou pelo
pior, dois, não vai se entregar agora, três, você consegue’. Encontrei o rapaz
da Malásia andando bem devagar e fui seguindo a lanterna dele. ‘Trinta e
quatro, vai dá vai dá, trinta e cinco, respira, trinta e seis’.
Demorei duas horas para percorrer os últimos 500 metros, mas cheguei a tempo de ver o nascer do sol mais bonito da vida e chorar, dessa vez de orgulho, na Indonésia, a 3.726 metros de altitude, viajando sozinha, por que não?!” – Domitila Becker / @domibecker
Chegada ao cume. | Foto: Domitila Becker / @domibecker
Nós já
falamos que a vida é curta e o tempo passa rápido demais para ficar esperando
companhia para viajar. Às vezes, uma viagem é o grande sonho da vida e, por que
não correr atrás deles agora? Não importa se isso acontecerá sozinha ou
acompanhada. Foi assim com a Nathalia Raquel Oliveira. Uma das suas metas de
vida era conhecer a Índia. Quando decidiu fazer isso sozinha, teve que lidar
com julgamentos e pessoas que a desencorajavam, afinal, a Índia não é o país
mais seguro do mundo, ainda mais para mulheres. Mas, isso não foi suficiente
para que ela desistisse. A insistência valeu a pena e foi lá que ela viveu uma
das experiências mais incríveis da vida:
“Eu ainda lembro do dia que comprei uma passagem e disse que iria pra Índia sozinha. As poucas pessoas que sabiam da viagem tentaram me fazer desistir porque acharam que eu estava ficando ‘pirada’. Eu, com 22 anos, sem falar meia dúzia de palavras em inglês, viajando sozinha pela primeira vez, para o outro lado do mundo. Mas, ‘com tanto lugar no mundo, por que a Índia?’ (e, vai por mim, eu ainda vivo recebendo esse tipo de pergunta).
Foto: Nathalia Raquel Oliveira / @nathyraquel
Era um plano que eu tinha para a vida, e, sinceramente, eu não achei que ele fosse acontecer tão cedo. Confesso que na primeira noite, fiquei olhando para o teto do hotel por hoooooras pensando se tinha sido a escolha correta e, logo no dia seguinte, eu já tinha a certeza de tudo aquilo.
Foto: Nathalia Raquel Oliveira / @nathyraquel
Conheci lugares e pessoas com uma energia
indescritível. A Índia me provou que ainda existe MUITA bondade no mundo, mesmo
em meio de todo caos e de toda pobreza… eu aprendi a ser mais paciente,
tolerante, respeitosa e principalmente, aprendi a me olhar por dentro. Eu
sempre tive a sensação que as pessoas me conheciam mais do que eu mesma, e,
então, percebi que precisava de um tempo só ‘meu’.
Fiz coisas que eu jamais imaginaria… isso inclui entrar em um templo com milhares de ratos por toda parte, pechinchar cada rúpia possível (e perceber que no final eu estava horas discutindo por conta de dois reais), e dormir no deserto em cima da areia (olhando para o céu mais estrelado que já vi na vida).
Foto: Nathalia Raquel Oliveira / @nathyraquel
Em falar no céu mais estrelado que já vi na vida, eu considero aquele dia como o dia D da minha existência na terra. Eu estava no meio do deserto dormindo na fronteira com o Paquistão, e vi exatas cinco estrelas cadentes caindo sob meus próprios olhos. Fiz um pedido para cada uma das 4 primeiras e quando chegou na quinta estrela, percebi que nenhum dos pedidos foram para mim. Eu queria saúde, felicidade, amor… mas sempre para a minha família e amigos. E foi ali que dei por conta que eu não precisava de nada. Não consegui fazer o quinto pedido, pois eu não precisava de saúde, dinheiro, nem ao menos de algo material. Foi a primeira vez na vida que me senti completa comigo mesma. Sozinha.” – Nathalia Raquel Oliveira – @nathyraquel
Foto: Nathalia Raquel Oliveira / @nathyraquel
As mulheres já foram chamadas de “sexo frágil”, mas a verdade é que em toda a história as mulheres já suportaram muitas dificuldades e provaram que são fortes para aguentar qualquer perrengue. Ao decidir viajar sozinha, uma mulher se depara com uma série de desafios e dos mais diversos tipos. Nem sempre a experiência será um “mar de rosas”, mas, mesmo nas piores circunstâncias, ela vai ajudar a comprovar a força e a garra que as mulheres têm!
Foi assim que aconteceu com a bancária Aline Keyko Sanefuji (@aksanefuji). Em 2018 ela decidiu embarcar sozinha para um trekking no Peru. Nem tudo saiu como planejado. Ao invés de desanimar, ela voltou com uma certeza: ela aguenta muito perrengue e vai continuar desbravando esse mundão.
Foto: Aline Keyko Sanefuji/@aksanefuji
“Eu já tive medo de viajar sozinha. E
quando se trata de uma mulher falando, o medo envolve uma lista enorme de
preocupações e inseguranças que nenhum homem entenderia. Mas, como nunca gostei
da ideia de depender de alguém para viajar e minha lista de destinos sempre foi
ampla, decidi que esperar pela companhia certa ou datas que se conciliassem não
era uma opção.
Fui atrás de empresas de aventura que
guiassem trilhas em grupo tanto no Brasil quanto fora. Mas, em julho de 2018
resolvi fazer uma trilha sozinha (apenas com o guia e o cozinheiro), a
Huayhuash no Peru, considerada uma das mais bonitas do mundo.
Os primeiros dias foram tranquilos, mas no terceiro dia de trekking, chegando em um acampamento que ficava acima dos 3.500m de altitude, comecei a ter uma tosse chiada. Como já havia tido essa tosse no ano anterior quando fiz a escada do Kilimanjaro, já sabia que estava com sintomas de um edema pulmonar. A diferença é que no ano anterior, eu tinha guias brasileiros que cuidaram de mim, tinham remédios e cilindro de oxigênio. Dessa vez eu estava sozinha. Meu guia não tinha cilindro de oxigênio e falou que teríamos que esperar amanhecer para sair da trilha em direção à cidade mais próxima. Foi a noite mais longa da minha vida. Foram 10 horas de agonia, sentada sozinha dentro da barraca. Deitar e dormir não era uma opção com o pulmão carregado de água, qualquer inclinação já me fazia tossir e cuspir água. Quando finalmente amanheceu, fui levada de cavalo até a cidadezinha mais próxima, mas como ela não tinha estrutura, fui de ambulância até Huaraz, onde fiquei internada por dois dias. Quando você é a sua própria companhia e passa por uma situação dessas você descobre que é mais forte do que pensava.
Foto: Aline Keyko Sanefuji/@aksanefuji
Somos feitos de histórias, sejam elas boas ou ruins. Essa experiência só me mostrou que eu aguento muito perrengue e me deu a certeza de que posso continuar explorando as belezas naturais desse mundo.”– Aline Keyko Sanefuji
Foto: Aline Keyko Sanefuji/@aksanefuji
O contato com a natureza é transformador. Chegar ao cume de uma montanha ou finalizar uma travessia geram sentimentos indescritíveis, que apenas quem já viveu consegue entender. A energia que a natureza emana é tão forte que provoca uma série de reflexões. Foi exatamente isso que aconteceu com a paulistana Adriane Ferreira (@drilify). Foram as montanhas e viagens de aventura que a fizeram reconsiderar prioridades, valores e tirar sonhos do papel.
“Ir às montanhas foi o ponto inicial de
toda minha motivação para viajar solo, lá aprendi a amar e a respeitar a
natureza, a encontrar amigos e levar um pouco de cada cultura e história para
dentro de mim, viver o desapego me fez refletir sobre o que eu queria levar para
minha vida, se viver isolada, sem sentir o mundo, ou ir atrás daquilo que
acreditava ser meu ‘Refúgio Artístico’.
Busquei conhecer lugares, pessoas e registrar cada momento com o olhar da fotografia. Houve uma hora em que a vontade de ir acima dos 3 mil metros de altitude me fez desenvolver habilidades que eu não acreditava ter. Eu já estava há tempos vendo palestras e vídeos de pessoas inspiradoras, estava na hora de fazer minha própria história, se ela desse certo ou não, eu estava disposta a arriscar.
Foto: Adriane Ferreira @drilify/Arquivo Pessoal
Durante o ano de 2018, eu desenvolvi atividades intensas para o planejamento da minha viagem ao Peru. Busquei nesse meio tempo entender todo geoplanejamento da rota que gostaria de fazer, o Trek Santa Cruz, graças ao conhecimento básico em mapas topográficos eu pude construir meu mapa de percurso. Foram seis meses se preparando fisicamente para aguentar as extremas adversidades que envolviam altitude e frio. Foi nessa busca que vi muita gente me apoiando. Dias antes da viagem, eu fiz um desenho no meu capacete, aquele que eu iria usar nas montanhas, fiz algumas montanhas que gostaria de visitar e também as que já subi.
Estar envolvida em outra cultura me fez cada vez mais sentir a sensibilidade artística que comecei a desenvolver. No ano seguinte, busquei escrever e relatar a minha presença, tanto pela arte, como pelas viagens e natureza nas redes sociais. Assim eu comecei a me sentir forte e empoderada. A ficha só caiu quando pessoas de várias partes do Brasil vieram me procurar e dizer que se sentiam inspiradas pela minha arte, que gostariam de dicas sobre como iniciar em trilha, como planejar uma viagem para fora, como registrar e valorizar os lugares pelo olhar fotográfico.
Foto: Adriane Ferreira @drilify/Arquivo Pessoal
Esse é o sentido pelo qual venho buscando viver. Tive todas as oportunidades que muitas pessoas gostariam de ter. Se eu estava preparada para todas elas? Acredito que nem todas, mas não deixei elas escorrerem pelas minhas mãos, agarrei e confiei que poderia buscar conhecer da fotografia à arte, das trilhas à escalada, das travessias à acampamentos, do pôr-do-sol ao nascer do sol. Sempre tento levar aos meus seguidores todo o sentindo e poder que toda mulher precisa para buscar escrever sua proporia história.
Sou grata a uma grande rede de mulheres que também conheci nesta minha pequena jornada!“
Foto: Adriane Ferreira @drilify/Arquivo Pessoal
Viver uma grande aventura pode ser um divisor de águas na vida de qualquer pessoa, especialmente para uma mulher. Infelizmente, por diversos motivos, que vão desde planejamento financeiro até a própria família, muitas mulheres acabam deixando isso de lado e passam boa parte da vida no automático, apenas vislumbrando sonhos que poderiam se realizar, mas continuam na gaveta. Este não é o caso da catarinense Gabriela Facchini Lee (@dra.gabrielalee). Ela decidiu que sua paixão pelo mundo outdoor seria uma de suas prioridades e, nem carreira, família ou falta de companhia a impediriam de viver seus sonhos.
Fitz Roy, na Argentina. |Foto: Gabriela Lee / Arquivo Pessoal
A primeira experiência “solo” de Gabriela foi muito mais do que uma viagem, começou numa mudança, quando ela saiu de Santa Catarina para morar em São Paulo. Chegar em uma cidade nova já é um desafio, encontrar pessoas que gostem de fazer trilhas morando em uma megalópole é ainda mais difícil. Como ela ainda não tinha amigos que compartilhavam do mesmo gosto pelas aventuras, ela foi atrás sozinha.
Durante as buscas, a catarinense encontrou um grupo que havia programado uma trilha ao Morro do Saboo, em São Roque. Gabriela não se intimidou por ir sozinha, fez as malas e foi. Ela chegou lá sozinha, mas saiu com muitos amigos. “Sem conhecer ninguém acabei fazendo uma trilha em que me superei e fiz amizades que tenho até hoje! Foi um sentimento de autossuficiência e autorrealização muito grande. Desde então, me reúno com esses amigos 1 vez ao mês para alguma atividade outdoor”, relembra.
Trilha do Morro do Saboo, em São Roque. | Foto: Gabriela Lee / Arquivo Pessoal
Essa
não foi a única experiência dessa catarinense em viagens sozinhas. Mas, quando
pensa sobre esse assunto, principalmente quando indagada sobre as mulheres que
fazem isso, ela se depara com questionamentos ainda maiores e muito importantes:
muitas mulheres não são totalmente realizadas com o rumo que a vida tomou.
“Certas questões sempre me colocaram em ‘alerta’ e me fizeram refletir: uma série de mulheres que conheço tem uma infelicidade muito grande no rumo que suas vidas tomaram. Não sei se por decisão própria ou pela FALTA de decisão. Muitas ‘culpam’ inclusive o fato de terem filhos e constituir família como se fossem eles que vetassem seus sonhos individuais. Sabemos que isso pode ser diferente, vemos exemplos de tantas mães que conseguiram unir maternidade e realizar seus sonhos como indivíduos ‘individuais’, digamos assim, que somos.
Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí – SP. | Foto: Gabriela Lee / Arquivo Pessoal
Uma questão complexa que não sei se às
vezes o que falta é coragem e poder de decisão, poder de dizer NÃO para algumas
coisas. Enfim… quando ‘briguei’ com uma série de questões e fui teimosa sobre
o estilo de vida que queria ter e, principalmente, quando consigo realizar um
sonho legal: de uma viagem, de uma aventura… felizmente espero que tenha mais
admiração e inspiração. Queria deixar bem claro pra essas mulheres que elas
PODEM ser donas da sua própria história.
Desejo que todas as mulheres possam viver
o êxtase e a glória de uma aventura como eu escolhi viver. Que tenham o
discernimento de entender sobre o poder de decisão da própria vida.
Que entendam que felicidade não se terceiriza e que precisamos nos bastar, pois, não é egoísmo que nossos sonhos que são tão NOSSOS possam ser realizados. A vida é curta para viver ‘nos bastidores’ ou na sombra de alguém. Seja dona da sua própria história!” – Gabriela Facchini Lee
El Chaltén, na Argentina. | Foto: Gabriela Lee / Arquivo Pessoal
Viajar
sozinha sempre foi um tabu para muitas mulheres. O histórico de uma sociedade
majoritariamente dominada por homens durante séculos se reflete ainda hoje nos
hábitos culturais dos brasileiros e brasileiras. Por isso, mesmo com tantas
conquistas, ainda é comum que uma mulher receba um olhar reprovador ou ouça
comentários pouco motivadores quando diz que fará alguma viagem sozinha. Mas,
não faltam histórias de mulheres que ignoram todas essas heranças culturais e
correm atrás de seus sonhos sem esperar alguém para acompanha-las.
A vida
passa rápido demais para viver aguardando companhia para viajar. As
oportunidades acontecem agora e as mulheres estão prontas para aproveitar cada
uma delas. Para te incentivar a arrumar as malas e sair em busca dos destinos
dos seus sonhos, nós fomos atrás de algumas histórias de mulheres que estão
fazendo justamente isso e elas dão o conselho com muita experiência de causa. Afinal,
viajar sozinha pode ser uma das melhores escolhas da sua vida!
No decorrer dessa semana, nós vamos compartilhar várias histórias inspiradoras. A primeira delas é da Tatiana Martins (@viajoporisso). Ela adora viajar e sempre aproveitou as férias no trabalho para incluir mais um destino à sua lista de viagens. Apesar de ter companhia em muitas de suas aventuras, alguns desafios ela encarou “solo” e as experiências ficaram marcadas para sempre.
Um mochilão pelo Equador
“Todo mês de janeiro tenho 30 dias de férias. Nesse ano, meu namorado tinha viagem a trabalho e não arrumei companhia para viajar. Decidi encarar sozinha um mochilão pelo Equador: um destino ainda pouco explorado turisticamente. Saí de Brasília apenas com passagem de ida e volta. Queria fazer uma viagem diferente, sem roteiro e com a liberdade de escolher na hora quantos dias ficar em cada lugar. Sem dúvidas, foi a melhor decisão que tomei! Viajar sozinha é libertador, é conhecer a si mesma, é fazer novas amizades, é estar aberta ao novo, é ter a certeza que independentemente do sexo, posso estar no lugar que quiser! Desbravei! Fui até Quito, Baños e Galápagos. Fiz as trilhas de dois dos mais importantes vulcões do país: Chimborazo e Cotopaxi. Fiz caiaque em uma lagoa formada na cratera de um vulcão. Nadei com tubarões, arraias e tartarugas. E o melhor de tudo: voltei com o gostinho de quero mais!”
Foto: Tatiana Medeiros/@viajoporisso
As surpresas da Patagônia
“Tinha uma viagem marcada para a Patagônia com o namorado no Carnaval do ano passado. Um mês antes da viagem, o namoro acabou. Veio a indecisão se deveria ou não viajar. Não bastasse o término do namoro, tinha sido furtada na minha última viagem para a África do Sul. Quebraram o vidro do carro alugado e levaram vários pertences, dentre eles, minhas roupas de trilha e minha bota que já estava amaciada. Tudo indicava que era melhor eu desistir… Além do sonho de conhecer a Patagônia, queria fazer o circuito W de Torres Del Paine (uma trilha que tem duração de quatro dias).
Foto: Tatiana Medeiros/@viajoporisso
Com todos os empecilhos, a vontade falou mais alto e decidi ir em busca do meu sonho e realizar minha viagem. Comprei novamente tudo o que eu precisava e viajei! Fiz todas as trilhas que gostaria de fazer, fiz novas amizades, me conectei com a natureza e tive a certeza que precisamos ir em busca dos nossos sonhos, independentemente do que aconteça. Para minha surpresa, encontrei meu ex (na época) e atual (agora) namorado no meu último dia de viagem. Eu terminando o circuito W e ele finalizando o circuito O. Se eu tivesse desistido, talvez não estaríamos juntos hoje, e teria deixado de conhecer um dos lugares mais incríveis que conheci na minha vida: a Patagônia! Nunca desista dos seus sonhos! Qualquer lugar no mundo é pra você, seja você quem for!”