Inspiração

Moeses Fiamoncini é um nome já conhecido entre os montanhistas brasileiros. Iniciado em alta montanha há pouco tempo, o paranaense já soma uma série de recordes em seu currículo e planeja voos ainda mais altos. Em pouco mais de um ano, Moeses foi de sua primeira experiência acima dos 8 mil metros de altitude, quando escalou o Manaslu, para uma sequência de outras cinco das montanhas mais altas do mundo, com mais 3 cumes conquistados.

O brasileiro já está entre os montanhistas com mais conquistas das 14 montanhas acima dos 8 mil metros de altitude, mas não é só isso que impressiona. O fato de fazer as expedições praticamente sem equipe, carregando boa parte dos equipamentos e com custos mínimos, mostra que Moeses segue um estilo de escalada que não é comum entre os brasileiros.

Se 2019 foi um ano de muitas conquistas e desafios, 2020 não deve ser nada diferente. Animado com o que já fez e certo de que pode evoluir ainda mais, o alpinista sonha com mais uma temporada vencedora e quer chegar ainda mais perto de conquistar todas as 14 “8 mil +”.

Nós conversamos com ele para saber mais sobre a temporada passada e quais são os planos para o futuro.

Nanga Parbat 8126 metros – “A parede de Kinshofer ainda é um desafio genuíno, mesmo com as numerosas cordas antigas existentes na face vertical a quase 6000 metros de altura.” – | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

The North Face Brasil: Como surgiu a ideia de escalar as 14 montanhas com mais de 8 mil metros de altitude?

Moeses Fiamoncini: Muitas dessas montanhas sempre estiveram nos meus sonhos, montanhas como o Everest e o K2, o Nanga Parbat (porque eu assisti ao filme “7 anos no Tibet”), Cho Oyu… Então, quando eu tive a oportunidade de escalar o Manaslu, eu consegui testar os meus limites e consegui chegar até 7.300 metros de altitude sem oxigênio suplementar. Nessa ocasião, eu também tive a oportunidade de trabalhar com o fix rope team, que são os sherpas mais fortes, que fixam as cordas antes dos grupos tentarem escalar a montanha. Só de estar ali participando com esses sherpas, foi muito gratificante e eu acabei descobrindo uma grande força interior que eu acho que ainda não tinha tido contato. Também notei que eu era muito resistente ao frio. A partir daí o sonho de escalar o Everest, o K2 ficou ainda mais próximo e mais real. Eu acho que foi uma coisa progressiva. Depois de fazer cume no Everest, finalmente eu decidi dar continuidade e anunciar o projeto Himalayans 8 mil. Em 2019 eu tive a oportunidade de escalar cinco montanhas de 8 mil e consegui fazer cume em três delas, o que pra mim é uma grande motivação, porque numa montanha você nunca sabe se vai conseguir chegar ao cume ou não. E, de cinco tentativas, conseguir o cume de três foi muito motivante. Eu entrei de cabeça nesse projeto.

The North Face Brasil: O Manaslu foi a sua primeira montanha acima de 8 mil em toda a vida. Na temporada seguinte você já colocou no currículo algumas das montanhas mais famosas e difíceis do mundo, como o K2 e o Everest, além de ter sido o primeiro brasileiro na história a escalar o Nanga Parbat. Lá no Manaslu, você já visualizava tantas conquistas em uma mesma temporada?

Moeses Fiamoncini: Depois que eu fiz o cume no Manaslu, eu já sabia que ia escalar outras 8 mil, mas eu não tinha bem claro que eu ia escalar tantas montanhas em uma só temporada e, realmente, começar um projeto das14 8 mil. Mas, eu sei que se eu tivesse patrocínios, eu poderia ter escalado mais montanhas em 2019. Mesmo assim, eu estou muito feliz com o meu desempenho e espero repeti-lo em 2020.

“Dia de aclimatação no Campo 2 do Dhaulaguiri, quem vê essa manhã linda nem imagina o quanto ventou a noite e quase não dormimos nada.” | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

The North Face Brasil: Como foi lidar com a recuperação entre uma montanha e outra, visto que você teve tão pouco tempo entre as expedições?

Moeses Fiamoncini: Eu basicamente fazia duas coisas quando não estava na montanha: comia e dormia. Mas, sempre me sentindo bem fisicamente. Foi apenas isso. Não teve muito segredo, não. Mesmo assim, quando eu cheguei no Everest, eu estava pesando 82 kg e quando saí do K2, 62 dias depois, eu saí com 67 kg. Eu perdi 15 kg em 62 dias. Nesse período eu consegui chegar ao cume de 3 montanhas. Então, foi um bom desempenho e uma boa recuperação.

“Rumo ao Campo base do Everest, ao lado direito uma das montanhas mais lindas da região o Nuptse a 7,861 m.” | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

The North Face Brasil: Esse intervalo curto ajudou ou atrapalhou no desempenho?

Moeses Fiamoncini: Eu acho que esse intervalo curto acabou me ajudando muito no desempenho por eu ter tido uma rápida recuperação física. Eu praticamente só comia e dormia, como eu já disse, e também um fator muito importante é que eu já estava aclimatado. Então, quando chegava na montanha, eu já ia pra cima.

The North Face Brasil: Você se diferencia de outros montanhistas por não ter uma equipe por trás. A maior parte das escaladas você fez praticamente sozinho, carregando os próprios equipamentos, ou acompanhado de amigos. Como é a dinâmica neste tipo de expedição?

Moeses Fiamoncini: Eu acho que a minha força de vontade de dar continuidade ao projeto é o que realmente me motiva a escalar essas montanhas dessa forma. Um jeito mais independente, em que eu, realmente, tenho que carregar todas as coisas. Não é fácil carregar uma mochila de 25 kg, montar barraca a mais de 7 mil metros de altitude, derreter gelo, fazer comida e, no dia seguinte, repetir isso tudo novamente. Esse esquema ocasiona um desgaste físico muito maior. Mas, nós temos que manter o foco na meta e no cume. Então, você acaba realmente sentindo a montanha de uma forma mais plena.

Para mim, o Nanga Parbat foi a montanha mais difícil de todas. Porque além de carregar tudo, ainda tinha uma parede que se chama: kinshofer wall, que está mais ou menos a 6 mil metros de altitude. Passar essa parte carregando uma mochila muito pesada e ainda ter que chegar totalmente exausto e montar barraca, fazer comida e se esquentar, faz a gente perder muito mais energia. Além disso, no campo 4, no dia de cume, não tinha corda fixa, era cada um por si e nós acabamos escalando essa montanha por uma variante técnica em uma rota muito mais difícil. Eu acho que se o acidente que eu tive no Dhaulagiri tivesse sido nessa montanha, eu não estaria aqui para contar a história.

“Entre Campo 2 e campo 3 quando estava escalando o Nanga Parbat.” | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

The North Face Brasil: Você já se testou e somou conquistas importantes sem o uso de oxigênio suplementar. Esse é um dos seus objetivos dentro do projeto? Seguir buscando os cumes sem oxigênio extra?

Moeses Fiamoncini: Sim, eu vou continuar tentando sem oxigênio suplementar. Mas, se em algum momento eu precisar, eu vou utilizar. Eu fiz o Everest e o Manaslu usando oxigênio e o K2 e o Nanga Parbat, sem. Então, eu tenho duas montanhas com oxigênio e duas sem, além de 2 tentativas em que eu não consegui fazer cume, que foi o Lhotse e o Dhaulagiri. Se eu precisar usar oxigênio, eu não sou contra.

The North Face Brasil: Em 2019 você ficou muito próximo de conquistar o Lhotse e o Dhaulagiri, mas acabou tendo que desistir do cume em ambas. Elas estão na sua lista para 2020?

Moeses Fiamoncini: Sim, há uma grande probabilidade de estarem na minha lista para 2020. Mas, eu ainda não defini realmente quais serão as montanhas.

The North Face Brasil: Quais foram os maiores desafios que você encontrou na temporada passada?

Moeses Fiamoncini: Na temporada passada eu acho que foram alguns desafios. O primeiro foi no Lhtose, onde eu estava muito perto do cume e eu tive que decidir descer a 8.300 metros de altitude, a apenas 200 metros do cume. Foi um grande desafio tomar essa decisão para não colocar a vida em risco. Outra experiência muito forte foi ter que lidar com um resgate no Lhotse. Nós acabamos nos envolvendo no resgate do Ivan Tomov, um búlgaro, e ele acabou falecendo em nossas mãos. Ter que deixar o corpo lá não foi fácil. Eu lembro que naquela noite eu não consegui dormir direito, eu saí várias vezes da barraca durante a noite e ficava olhando lá para cima. Ele ficou no campo 4 e nós descemos para o campo 2. Foi bem difícil de aceitar o que tinha acontecido. Mas, nós ainda conseguimos salvar uma russa, que também estava escalando com ele e isso, realmente, foi muito emocionante. Tinham 2 pessoas, um, infelizmente, acabou falecendo, e a outra nós conseguimos ajudar.

“Atravessando a Cascata de Gelo do Khumbu rumo ao Campo 1 do Everest.” | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

Mas, o maior desafio de todos foi o meu acidente no Dhaulagiri. Foi algo muito assustador e que jamais pensei em passar na minha vida. Quando eu caí, o meu downsuit encheu de neve. Eu ainda tentei continuar, mas, depois de 15 minutos, eu parei para refletir e vi que a minha vida era muito mais importante do que o cume, então, decidi abortar a missão e descer. Ainda foram mais 9 horas caminhando até chegar ao campo 3, que eu acabei chegando só às 23h30 (mais ou menos), completamente exausto. No caminho estava nevando muito, com ventos de 60 – 65km/h. O caminho já não existia, não dava para ver nada. Então, eu acabava me perdendo, saindo da rota e estando sozinho ainda, com certeza foi o maior desafio da minha vida. Ter que lutar pela própria sobrevivência. Eu quase morri de hipotermia, porque foram 9 horas caminhando depois do acidente, com o corpo todo tremendo. Eu me sinto como se eu tivesse nascido novamente.

The North Face Brasil: Você entrou para a história ao se tornar o brasileiro com mais conquistas acima de 8 mil em uma mesma temporada. Como você enxerga isso?

Moeses Fiamoncini: Eu acredito que tudo o que a gente faz com o coração e com a mente, acontece. Enfim, esses fatos históricos foram resultado de muita dedicação e amor ao que eu faço, que é o montanhismo.

The North Face Brasil: O seu grande objetivo é conquistar as 14 montanhas com mais de 8 mil. Qual é o seu projeto para este ano?

Moeses Fiamoncini: Eu ainda não tenho tudo certo. Eu ainda não tenho patrocínio e as expedições são muito caras, mas se conseguir, quero dar continuidade e ainda fazer mais do que eu fiz em 2019.

The North Face Brasil: Para viabilizar este sonho você tem buscado patrocínios e também está investindo em liderar expedições. Como tem sido essa busca por aporte financeiro?

Moeses Fiamoncini: Eu acredito que vai acabar aparecendo algum patrocínio. O Brasil tem um enorme potencial para colocar mais nomes na elite do montanhismo mundial. O que realmente precisa é de mais incentivo nesse esporte. Como eu ainda não tenho patrocínio, eu comecei a organizar grupos para levar pessoas ao Campo Base do Everest, assim eu posso levantar recursos para dar continuidade ao meu projeto.

The North Face Brasil: Hoje você já está entre os maiores montanhistas do Brasil, ao lado de grandes nomes como Waldemar Niclevicz e Carlos Santalena. Você tinha dimensão disso quando decidiu começar a fazer alta montanha? Como você se sente fazendo parte da história?

Moeses Fiamoncini: Eu sempre fui apaixonado por montanha, eu sempre sonhei escalar. Então, pra mim é uma honra fazer parte da história do montanhismo brasileiro ao lado de grandes nomes. Por que não dizer também do montanhismo mundial, escalando Nanga Parbat e K2 em 22 dias sem oxigênio suplementar? Eu estou, realmente, muito surpreso com essas conquistas. Desde quando era criança, eu sempre sonhei em ir cada vez mais alto. Agora eu estou vivendo o meu sonho e isso está se tornando história.

“Depois de escalar por 7 horas a parede de gelo do Lhotse finalmente chegamos no Campo 4 a 7790 metros de altura.” | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.