Inspiração

Viajar o mundo é o sonho de muitas pessoas, mas, ter a coragem e o planejamento para deixar a vida corporativa para trás e se jogar em uma viagem sem data para acabar, é outra história. Apesar de ser um desejo comum, poucas pessoas acabam tendo “culhão” para trocar a segurança de um bom salário e um emprego estável pela vida sobre quatro rodas.

Foi preciso apenas um livro para que o casal Leonardo e Rachel Spencer fosse picado por essa vontade de jogar tudo para o alto. O ano era 2012 e ambos trabalhavam no mercado financeiro na maior metrópole do Brasil, São Paulo. Apesar de amarem seus empregos, eles achavam que tinha chegado a hora de encarar um projeto diferente. Eles, então, se prepararam durante um ano, leram tudo o que podiam sobre o assunto e mais um pouco, adaptaram um carro, desenharam um roteiro, fizeram o planejamento financeiro e embarcaram em uma viagem que mudaria suas vidas. E mudou!

O casal ficou na estrada por três anos e meio. Nesse tempo eles passaram por todos os continentes, viveram experiências inesquecíveis e agregaram muitas histórias e aprendizados para compartilhar com outros aventureiros através do projeto “Viajo Logo Existo”.

Leonardo e Rachel ao lado do parceiro de viagem: a Land Rover Defender. | Foto: Viajo logo Existo

Se você também tem um sonho parecido com esse, confira a entrevista e todas as dicas que eles deram pra gente:

The North Face Brasil: Em 2013 vocês mudaram radicalmente de vida. Depois de um bom tempo planejando, vocês deixaram para trás o trabalho tradicional e a vida corrida em São Paulo para mergulhar em um projeto totalmente diferente.

Como foi o processo de convencimento e planejamento para, enfim, pegar o carro e sair por esse mundão?

Leonardo Spencer: Pra falar a verdade, foi tudo muito rápido. No começo de 2012 eu ganhei um livro de um amigo sobre um casal que havia viajado o mundo todo de carro e aquilo mexeu comigo. Eu nem sabia que aquilo era possível! No dia seguinte eu fui falar com a Chel, na época nós namorávamos há dois anos e não tinha ideia de como ela reagiria. Falei “amor, o que você acha de darmos a volta ao mundo de carro?” – para minha surpresa ela gostou da ideia.

Na época nós já estávamos há quase nove anos trabalhando no mercado financeiro. E o mais doido disso tudo é que adorávamos o que fazíamos, éramos realizados, ganhávamos bem, gostávamos das pessoas e do banco. Mas a hora tinha que ser aquela…

Daí, começaram os desafios. Nós nunca tínhamos acampado na vida e também não sabíamos nada sobre carro. Compramos todos os livros do tema na época, entramos em contato com mecânicos, viajantes, amigos, na verdade com qualquer pessoa que pudesse nos ajudar com as milhões de dúvidas que tínhamos. Em três meses nós compramos o Land Rover Defender 110 e iniciamos o processo de transformá-lo em uma casa.

Esse começo foi muito complicado, não havia muitas pessoas que tinham feito isso no Brasil e a quantidade de informações na internet era ainda menor. O Viajo logo Existo, como projeto, nasce muito mais da nossa vontade de dividir tudo que tínhamos aprendido nos preparativos da viagem, do que com a pretensão de se tornar um negócio ou qualquer coisa do gênero.

Eu lembro que no final de 2012, depois que já tínhamos o carro e um monte de tralhas em casa, eu falei para a Chel – “Amor, agora não tem mais volta, já falei para muitas pessoas da viagem, não gosto de falar e não fazer…”.

Em fevereiro de 2012 nós pedimos demissão, nos casamos em abril e no dia 4 de maio de 2013 nós saímos do Parque do Ibirapuera em São Paulo para viajar o mundo por 42 meses, passando por pelo menos 70 países e dirigindo algo em torno de 130mil quilômetros.

Acampando no Parque Nacional Santa Tereza, Uruguai na primeira semana de viagem. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Vocês tinham um carro adaptado com a opção para camping. Antes de iniciar esse projeto, vocês já tinham um estilo de vida mais aventureiro?

Leonardo Spencer: Baseado em nossas experiências prévias, tudo indicava que essa viagem era impossível para nós. A Chel nunca tinha entrado em uma barraca de camping, eu tinha acampado pouquíssimas vezes em minha vida, e não tinha gostado. Eu, por ser apaixonado por surf, já havia me metido em alguns buracos, mas nada comparado ao que estávamos planejando.

Se você fizesse uma pesquisa entre nossos amigos, possivelmente, nenhum deles acreditaria que nós encararíamos um projeto de viajar o mundo de carro, morando nele etc…

Mas, queríamos ver o mundo de verdade e o carro nos proporcionaria isso. Eu já tinha uma relação muito forte com a fotografia, a Chel com o trabalho social e sempre se interessou pelo aspecto econômico dos países. Dirigir pelo mundo nos proporcionaria estar perto das pessoas e isso era uma das coisas que buscávamos.

Nosso ponto mais ao sul do mundo, em Ushuaia na Argentina. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Quais foram os maiores impactos que vocês sentiram quando embarcaram nessa viagem, considerando uma mudança tão radical?

Leonardo Spencer: Acho que o mais complicado é você entender a nova velocidade que você passa a viver. No banco a vida era corrida, chegávamos antes das 8h na mesa, sair para almoçar era complicado, à noite sempre tinha algo… Nós, às vezes não percebemos, mas vivemos a 220v. Quando você vai morar no carro, por mais que tenha planos, onde ir, quando ir, a velocidade é outra. Você respeita mais seu corpo, se está com sono, dorme, se está doente, descansa. Você descobre que quase tudo pode ser feito depois, que nada é tão urgente.

Acampando sem pressa, no Deserto do Atacama no Chile. | Foto: Viajo logo Existo

Já na parte mais prática do negócio, tudo é novo. Agora nós dormíamos em uma barraca no topo do carro, cozinhávamos em um fogão minúsculo, tínhamos que controlar água, comida, combustível, saber onde íamos dormir, onde iríamos… Levou uns três meses para entendermos que não precisávamos ter pressa, que não tinha mais pressão. Agora era ir com o vento, respeitar nosso orçamento de 100 dólares e curtir a vida. 

Produzindo nosso primeiro livro, dentro da nossa barraca, na Croácia. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Qual era o maior receio antes de começar?

Leonardo Spencer: Sem sobra de dúvidas, o maior receio antes da viagem era segurança. Como seria dirigir por lugares isolados na África, na América Latina? Eram essas perguntas que, por mais que estudássemos, as respostas nunca eram satisfatórias.

O que nos trazia alguma paz era a nossa dedicação ao planejamento. Nós saímos de São Paulo sabendo praticamente onde iríamos dormir nos 3 anos de viagem, onde tinha camping, onde não tinha, quais eram os riscos de cada região, país e até cidade. Claro que depois você vai aprendendo com a estrada e refinando algumas decisões, mas o interessante aqui é que ficou claro para nós que o planejamento era o nosso melhor aliado, tanto para o controle financeiro, como para não entrarmos em roubadas.

Nós também criamos algumas regras, tipo: não dirigir à noite, ter sempre comida, água e combustível extra no carro, avisar nossos pais onde estávamos, não ir em lugares que falam para você não ir. Esse último item parece uma coisa boba, mas encontramos muitos viajantes loucos para entrar em áreas proibidas, rs.

No inverno patagônico, aprendendo a dirigir na neve. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Qual foi a maior descoberta de vocês nesse processo?

Leonardo Spencer: Pode parecer uma coisa boba ou até mesmo clichê, mas além das experiências maravilhosas que vivemos, dos lugares que visitamos, etc – nossa maior descoberta é que no mundo tem mais AMOR do que imaginávamos. Que as notícias ruins que vemos na televisão representam uma ínfima parcela do que o mundo realmente é. Essa foi a nossa maior descoberta e nos fez mais otimistas como um todo.

Ao longo desses anos todos que estamos viajando, nós dormimos mais de dois anos na casa de pessoas que seguem o Viajo logo Existo pelas redes sociais. Descobrimos tantas pessoas legais, tantas histórias inspiradoras, tanta gente que foi atrás de seus sonhos, isso foi muito legal… Sempre falamos, os lugares são fantásticos, mas são as pessoas que fazem a diferença.

Dividindo um pouco que aprendemos com que mais precisa, os adolescentes, na África do Sul. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Com certeza vocês recebem mensagens de muitas pessoas que acompanham vocês hoje ou acompanharam a volta ao mundo interessada em fazer isso também, mas, talvez, sem coragem. Qual é o conselho mais comum que vocês dão?

Leonardo Spencer: Sim, isso acontece com bastante frequência. Geralmente perguntamos o que a pessoa já estudou, isso é um ótimo indicativo do real interesse da pessoa. Porque muitas pessoas querem, mas talvez nunca pensaram na lista de coisas que terão de abrir mão. De qualquer forma, quando é um casal, sempre tentamos entender como é a relação deles no dia a dia, porque um dos maiores desafios da viagem de carro pelo mundo é a convivência. Eu e a Chel sempre nos demos muito bem e a viagem acabou nos unindo ainda mais. Mas, vimos casais que voltaram divorciados antes do planejado.

De qualquer forma sempre falamos bastante do planejamento, da pessoa sentar e desenhar os lugares que quer ir, fazer conta dos custos, alertamos sobre imprevistos que, com certeza, irão acontecer… é tanta coisa, que meio que damos algumas direções e deixamos as pessoas se envolverem.

A Chel em dois momentos diferentes, nos altiplanos bolivianos e nos templos de Bagan no Mianmar. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Quanto tempo vocês ficaram na estrada e quais foram os maiores aprendizados no caminho?

Leonardo Spencer: A viagem de carro ao todo foram 43 meses direto, entre maio de 2013 e dezembro de 2016, sem nunca voltar para o Brasil. Ao todo visitamos 78 países e rodamos 132 mil quilômetros. Agora já são mais de 125 países visitados e quase 7 anos viajando.

Ficamos mais de dez meses na África, na foto, o rei da savana no Quênia. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Como foi a sensação de voltar para casa?

Leonardo Spencer: Voltar para o Brasil foi uma explosão de sentimentos. Rolou um evento para a nossa chegada, então havia centenas de amigos, seguidores e familiares no dia da chegada – pessoas que não víamos há tantos anos. Lembro que chegamos com o carro, as pessoas nos olhando, a gente com aquela cara inchada de quem já estava chorando no carro. Foi tudo muito maluco…. Minhas irmãs tiveram filhos, amigos casaram, muita coisa aconteceu.

As emoções estavam tão exacerbadas que decidimos que por três meses nós não tomaríamos nenhuma grande decisão em nossa vida… Foi muito bom estar de volta com as pessoas que amamos.

De volta ao Brasil, nos Lençóis Maranhenses em 2018. | Foto: Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Mesmo após a “volta ao mundo”, vocês não voltaram para a vida no escritório. Por que vocês acham que isso aconteceu? O que mudou?

Leonardo Spencer: A verdade é que nós quase voltamos para o mercado financeiro, rolaram algumas sondagens, mas para isso teríamos que ficar “presos” no Brasil por, pelo menos, mais alguns anos e isso não nos agradava muito. A questão da segurança nos incomodava e incomoda muito, e já tínhamos o plano de vir em algum momento para Portugal (de onde escrevo essas linhas agora)… 

A grande surpresa foi entender que o Viajo logo Existo era muito maior do que imaginávamos. Chegamos ao Brasil e recebemos dezenas de pedidos de entrevistas na TV, programa de rádio, os livros vendendo como nunca, palestras… Isso foi tudo muito rápido, coisa de uma semana, duas. Nós olhamos e falamos: “tem tantos lugares que ainda não conhecemos, e se continuarmos viajando?” – aí já não tinha mais volta, vendemos o carro, desenhamos algumas viagens e começou uma nova fase do Viajo logo Existo.

A Islândia foi um dos nossos primeiros destinos depois da volta ao mundo de carro. | Viajo logo Existo

The North Face Brasil: Uma coisa a gente já sabe: vocês não devem parar tão cedo! Quais são os próximos projetos?

Leonardo Spencer: Teve uma época em que nossa meta era visitar o maior número de países possível, mas percebemos que isso nos tomava muito tempo e dinheiro e acabávamos vivendo experiências que não nos completavam. Era ótimo para o lado comercial, daquela coisa de “correr atrás de uma meta”, que algumas empresas amam, mas era vazio para nós. Diante disso nós resolvemos mudar, nos preocupar menos com o número de países e focar mais nas experiências que queríamos viver, não importa onde.

No topo da nossa lista estava voltar para a Escandinávia para ver a Aurora Boreal, mas não por um, dois dias, mas sim por algumas semanas. Viver no extremo norte, isolado, conhecendo novos lugares… Devemos também visitar alguns lugares do Brasil que são lindos, como Jalapão e Jericoacoara, o norte da Argentina também está na lista, além de algumas ilhas repletas de verde no sul do Japão… a lista é grande!!!

Em Asgabate, a capital do Turcomenistão, um dos países mais fechados do mundo. | Foto: Viajo logo Existo

Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.