Destinos Inspiração

“Monte Vinson é a maior montanha da Antártica e certamente um dos lugares mais incríveis que já pude visitar nesta vida. Desde sempre este continente gelado explora o imaginário das civilizações e traz histórias incríveis, de grandes conquistas da época da navegação.

Me lembro que a primeira vez que pousei na Antártica, em 2013, fiquei bastante emocionado, principalmente porque a paisagem quebrava instantaneamente meus paradigmas sobre alta montanha. Em outras expedições, é comum pisarmos em terreno rochoso e observarmos os cumes nevados e esbranquiçados. Lá, pisamos em gelo ainda julgado eterno e observamos os cumes rochosos das montanhas do entorno. Algo surreal, como se estivéssemos em outro planeta. O fato de não ter noite ou escuridão traz algo ainda mais especial. É possível observar o sol e sentir perfeitamente a rotação terrestre.

Desta vez, exatos nove anos após a primeira visita, a logística de voo mudou completamente. Naquela época saíamos do Kazaquistão. O avião era cargueiro e não possuía janelas! Tudo era observado através de uma GoPro fixada do lado de fora da aeronave. Hoje, o trajeto é feito de Boeing 757 com tripulação Islandesa, especialista em pousos no gelo. A grande diferença fica por conta das janelas, que estampam paisagens alucinantes ao longo do trajeto. Vimos o mar, icebergs e montanhas despontando no horizonte.

No dia 26 de novembro chegamos no famoso Union Glacier, um acampamento enorme que dispõe de banheiros, refeitório muito bem equipado, boas refeições, livraria e barracas que mais parecem quartos de hotel. Tudo com extrema organização e controle para manter o ambiente intacto e selvagem, como qualquer montanhista almeja. Graças ao bom clima, às 19h seguimos para o campo base do Vinson. Voamos por 35 minutos no pequeno Twin Otter canadense, que tem capacidade para apenas seis tripulantes.

Assim que chegamos, levamos nossos equipamentos para a barraca e fomos jantar. Um jantar maravilhoso com cordeiro, brócolis, batatas rústicas, ratatouille, salada verde e ainda cervejas e vinho     à vontade. Fomos dormir meia noite com sol a pino. Ter claridade o tempo todo, faz com que nossa mente não entenda o que é noite. Nosso corpo não produz naturalmente a melatonina para que possamos ser induzidos ao sono. Por conta disso, usamos vendas nos olhos para enganar a mente. Para quem já esteve em alta montanha deve ter percebido os sonhos intensos que temos, sonhos que parecem reais e acordamos lembrando por completo do acontecido durante a noite. Isso acontece por conta da intensidade vivida e falta de oxigênio no cérebro.

Acordamos às 9h, como programado, para o café que ainda no campo base o chef prepara. É realmente incrível a logística na Antártica. A qualidade das operações lembra um hotel por alguns momentos. Porém quando colocamos o rosto para fora do refeitório, que possui calefação, nos deparamos com temperaturas gélidas que chegam nos -40 graus!

O dia 28 foi de descanso, observação meteorológica e organização de equipamentos. Aproveitamos para testar nossas vestimentas em uma caminhada de 30 minutos pelo base. Fomos muito bem! Décio é super focado e treinado.  Murilo sempre animado fazendo as imagens e sobrando fisicamente. Nosso guia local, Tom, gente boníssima. Criamos uma grande conexão desde o primeiro dia da expedição.

No dia seguinte, acordamos novamente às 09h. As previsões eram de ventos fortes acima de 50km/h para o dia 01, porém mostrava melhoras e ventos de 30km/h já no dia 02. Com este prognóstico, resolvemos prosseguir até o Lowcamp (2720m). Organizamos e empacotamos todo equipamento – tínhamos aproximadamente 15 kg de carga na mochila cargueira e 15kg no trenó que arrastávamos.

Começamos a caminhar e romper os primeiros metros de desnível. O dia estava aberto e nosso ritmo intenso. Logo sentimos calor e fizemos uma parada para retirar as plumas grandes, que até então não haviam saído de nosso corpo. Seguimos rompendo mais e mais metros de desnível contemplando ora o halo solar de um lado, ora a lua de outro – fenômeno incrível e especial deste pedacinho do planeta. Além desse espetáculo, os enormes seracs (bloco de gelo de grandes dimensões, fragmentado e gretado) deixavam o cenário ainda mais especial.

No total, foram quase cinco horas de caminhada em terreno gretado. Chegamos no acampamento por volta das 19h30 e nos juntamos com outros grupos para o jantar. Uma das coisas mais incríveis de escalar montanha é conhecer pessoas, trocar experiências e perceber muitos novos caminhos e sinapses mentais. Desta vez, fiquei impactado com a estória do Austríaco e do Inglês, que após do Vinson pretendiam fazer caminhando o último grau de latitude para alcançar o polo sul e retornar de vela (kite). Quanto mais montanha subimos, mais descobrimos novos desafios e formas diferentes de explorar cada vez mais seu eu interior. Tenho certeza que estas experiências não nos deixam voltar pra casa da mesma forma que saímos. Voltamos sempre melhores, aprimorados, com mais conhecimento e com uma valorização enorme daqueles que amamos e vivemos juntos!

No Lowcamp há uma pequena sombra entre às 02h30 e 10h30. O que deixa o ambiente externo ainda mais frio, com temperaturas que chegam nos -35 graus. Por conta disso, neste trecho, as atividades começam uma hora depois. As previsões do tempo mantiveram-se erradas desde o início de nossa estádia nesta parte do trajeto. Os fortes ventos nos proporcionaram um descanso forçado de mais um dia.

No dia 03 de dezembro as condições climáticas eram perfeitas. Não havia muito vento e o frio era menos intenso, comparado aos dias anteriores. Tomamos a decisão de subir! 1100m de desnível nos esperava, sendo 800 em cordas fixas com inclinação de aproximadamente 40 graus.  Foram trinta minutos até a base das cordas fixas. Ali, guardamos os bastões de caminhada e seguimos apenas com a piqueta e o jumar. Ao longo da subida fizemos duas paradas para hidratar e comer algo. No horizonte se descortinava um manto de nuvens que se confundia com o gelo onde pisávamos.  A sensação era de estarmos nos céus, algo inexplicável em palavras, mas sensível a nossos olhos e certamente emocionante.

A chegada ao Highcamp foi emocionante. Nos abraçamos, celebramos e logo pegamos pás para poder cavar o local onde ficariam nossas barracas. Preparamos os liofilizados e retomamos a hidratação forte. Vamos para cima!

No dia seguinte, saímos do acampamento rumo ao cume com um clima favorável, sem vento e até caloroso. Há 300m do cume o clima começou a fechar e o frio aumentar. Junto com a mudança climática, vieram as preocupações, sobretudo de possíveis congelamentos – o maior risco dessa expedição. Paramos, hidratamos e adicionamos camadas de pluma no peito e nas pernas, além dos googgles nos olhos. Nos certificamos que nossos rostos estavam inteiramente cobertos por balaclava, buff e gorro. Tom, nosso guia local, nos informou que ao chegarmos na aresta do cume, analisaríamos as condições para seguir adiante, já que o vento poderia nos desequilibrar. Deu tudo muito certo e apesar da velocidade do vento, seguimos. Em trinta minutos estávamos todos no topo do Vinson! No topo da Antártica! Chegar ao cume pode não ser o mais importante, mas é bom demais. Atingir o objetivo é consagrar todo treino feito para chegar até ali.

Começamos a descer com muito cuidado e atenção com as passagens rochosas. Fomos o mais rápido que podíamos para sair daquela zona de exposição. Após uma hora de descida, já tínhamos deixado o vento forte para atrás e agora era só glaciar abaixo até o acampamento.

O Vinson é uma montanha longa. São 8km de subida e 8 de descida, com trecho técnico exposto apenas nos 100m finais, que torna a subida ainda mais apimentada. Fizemos os 16km em 8h26min, rompendo 1100m de desnível e 1444m de altimetria. Um dia duríssimo, talvez um dos dias de cume mais duros que já guiei, sobretudo pelo momento final e a decisão de continuar. Afinal, poderia existir risco de congelamentos, mas ao mesmo tempo, o vento estava no limite do aceitável. Chegamos de volta ao acampamento, descansamos, comemos uns liofilizados americanos, que são muito saborosos. Agora, meia-noite escrevo para eternizar este dia e relembrar todos os detalhes.”


Escrito por

Rachel Magalhães

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM. Apaixonada por aventuras, ama viajar, conhecer novos lugares e estar em contato com a natureza. Faz parte do time da The North Face há nove anos.