Destinos Inspiração

“Minha primeira incursão pelo Alasca, lá em 2017, foi uma verdadeira montanha-russa de emoções. Cheguei cheio de confiança com o Projeto 7CUMES, afinal, já havia conquistado o Aconcágua, Kilimanjaro e o Elbrus, logo na primeira tentativa.

Chegamos ao Denali Corner com um ritmo consistente. Fizemos uma breve parada para hidratação e seguimos adiante para o ataque. Porém, o clima decidiu brincar conosco e transformou tudo de forma dramática: ventos impiedosos dobravam a esquina junto a uma queda na temperatura impressionante. Diante do cenário extremo, a voz da razão sussurrou em meus ouvidos para retornarmos imediatamente ao Acampamento Avançado.

Tentei argumentar com o Eli, nosso guia, em um momento de pura loucura, que talvez devêssemos esperar uns minutos, quem sabe aquela tempestade passasse rapidinho. Mas o danado, com seu estilo irrefutável, soltou: “Bem, você pode ficar aqui se quiser, mas eu vou descer porque estou ansioso para conhecer seu filho Mateus. As histórias que você contou sobre ele são dignas de uma mente criativa!” E então, sem mais delongas, seguimos rumo ao Campo Alto.

O que aconteceu em seguida, caro leitor e leitora, foi épico e surreal. Aventurando-nos por aquelas paisagens inóspitas, enfrentando os caprichos da mãe natureza e desafiando os próprios limites humanos. Enquanto eu estava com um misto de apreensão e empolgação, a ligação para meu filho Mateus, era o pano de fundo de nossa saída da montanha.

E assim, com o vento cortante em nossos rostos e a determinação arrebatadora em nossos corações, seguimos, deixando rastros na neve que guiavam nosso espírito. Lembrei-me das palavras de Eli, que ecoavam em minha mente, e senti uma explosão de gratidão por cada segundo vivido naquele ambiente desafiador.

No montanhismo, há variáveis não controláveis e outras que são controláveis. Uma delas é a preparação física e mental, e, na temporada de 2017, não estava no meu melhor estado em nenhuma das duas áreas. Além disso, as variáveis externas que não podemos controlar, como clima e terreno, levaram ao descarte imediato de uma segunda tentativa em alcançar o cume do Denali.

Reestruturei meu plano de treinamento. Martin Zhor, um corredor de montanha e alpinista tcheco, juntou-se à minha equipe de preparação, assim como o médico Ronaldo Abud e o treinador de cérebro Fernando Gonçalves. Esses três profissionais mudaram minha abordagem em relação a preparação para alta montanha e, na verdade, mudaram minha perspectiva de vida.

Em junho de 2022, liderando uma expedição, retornei ao Denali, cinco anos após minha primeira tentativa. O grupo era composto por seis pessoas: dois guias norte-americanos e quatro brasileiros. Tivemos a sorte de pegar um clima excepcionalmente bom na montanha, com sol, temperaturas agradáveis, e pouco vento na maior parte do percurso.

Durante o ataque ao cume me sentia forte e emocionalmente confiante. Passamos pelo Denali Corner e desfrutamos de um sol de verão ártico espetacular. Ao chegar ao último trecho, conhecido como “football field”, estávamos a apenas 120 metros lineares de distância do cume, cerca de 1 hora e 30 minutos de escalada vertical. No entanto, uma variável imprevisível surgiu: nem todos estavam em seu melhor estado físico. O guia que me acompanhava ficou inseguro em relação à condição física e fisiológica de nossos companheiros. Isso causou um clima de indecisão e minou a confiança do grupo.

Um dos integrantes do time sugeriu que eu continuasse e eles esperariam no local. No entanto, naquele momento de decisão difícil e rápida, a lógica do montanhismo não me deixou com dúvida, optei por voltar com todos. Ninguém seria deixado para trás.

Mais uma vez, enfrentamos a frustração no Denali. Porém, desta vez, não fiquei tão abalado como em 2017. Estava no meu melhor estado físico, mental e fisiológico, ou seja, tudo o que eu podia controlar estava perfeito. No entanto, há sempre uma parte imprevisível na montanha, eventos que acontecem de repente, e nossas ações podem ter consequências positivas ou negativas. A escolha é sempre delicada. Tanto em 2017 quanto em 2022, decisões difíceis foram tomadas. E em ambas as vezes, foram decisões corretas.

Esse ano voltei ao Denali para uma expedição autossuficiente com um amigo. Cheguei em Talkeetna no dia 07 de junho e participei de um briefing no escritório do NPS local. Havia informações sobre um clima extremamente hostil na região. Durante a conversa com o guarda-parque, ele revelou que havia participado do resgate da queridíssima Fernanda Maciel, que havia caído em uma fenda no Campo 02 havia poucas semanas. Foi um relato tenso.

 

Enviei uma mensagem para Fe, que me respondeu da seguinte forma:

“Ziller, eu cai em uma greta ao lado do Camp 2, podia ter morrido, fiquei estancada no fundo da greta sem conseguir me mover, fui resgatada por três amigos alpinistas e depois helicoptero para chegar em Talkeetna. Acabei de chegar em Chamonix. Não quebrei o braço. O osso do ombro saiu, mas colocaram no lugar novamente. Daqui umas quatro semanas devo poder voltar a correr novamente. Toma muito cuidado, tem gretas em todos os lugares e é impossível de vê-las.”

 

Imediatamente formei um grupo de mensagens com Bill e Todd, sócios da Mountain Trip, que me ajudaram nas decisões que estavam por vir. Uma expedição autônoma apresentava desafios complexos, como a gestão do peso dos suprimentos e a autoproteção em condições climáticas adversas.

As expedições estavam paradas por causa do mau tempo. Decidi adiantar a chegada do meu filho Mateus ao Alasca e passamos dias intensos explorando a região, aproveitando nossa conexão como pai e filho, e celebrando nossos aniversários juntos.

Após doze dias, tive que me despedir emocionado de Mateus, deixando-o no aeroporto. Sem perder a determinação, decidi retornar a Talkeetna para uma última tentativa de alcançar a montanha. Notícias tristes chegavam do Campo Base, com a expedição da Seven Summits Treks paralisada por três dias e incapaz de avançar. Outra equipe da Mountain Trip estava presa no Campo 2 há cinco dias. O clima implacável não mostrava sinais de melhora.

Era isso.

Embora o Denali não tenha me permitido sua graça na minha terceira tentativa, o Alasca me proporcionou experiências incríveis. Foi por isso que conheci Kali Bennet e sua linda família. Foi pelo Denali que conheci os capixabas Rodrigo e Juarez Gustavo, o primeiro maratonista e o segundo montanhista que estava prestes a encerrar seu projeto 7CUMES. Foi no Alasca que conheci o casal Ale & Duda, do @getoutsidebr. Foi em Anchorage que fiz uma palestra na empresa de Kali com direito a lágrimas e sorrisos de todos os presentes. E foi em 2023 que corri a Maratona de Anchorage, minha primeira e de supetão, com o apoio de Mateus e Lulu, filha de Kali e Dave.

O Denali, sábio em seu silêncio, adiou meu sonho por um breve momento. E em um sussurro suave me revelou:

“Ziller, no próximo ano, retorna a este santuário com tua família. Juntos, encerraremos o projeto 7CUMES celebrando seu aniversário de meio século de vida”.

Uma montanha não é simplesmente um destino, mas um chamado para escrever capítulos inesquecíveis da existência humana.”

 

 


Escrito por

Rachel Magalhães

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM. Apaixonada por aventuras, ama viajar, conhecer novos lugares e estar em contato com a natureza. Faz parte do time da The North Face há nove anos.