Inspiração

Considerada a maior montanha da Europa, o Monte Elbrus e seus 5642m, pode ter seu título questionado quando o continente é segmentado entre oriental e ocidental. Por esta divisão, o Elbrus passa a ser a grandiosa da Europa Oriental e o Mont Blanc, o maior da Europa Ocidental. Bom, a verdade é que as duas montanhas valem a visita e a investida!

“Minha admiração por essa expedição, começa assim que pouso em Moscou. Extremamente limpa, a capital que possui cerca de 12,4 milhões de habitantes choca com tamanha organização. Certamente a mais impecável que já visitei. Não se vê lixo na rua. Gramados e floreiras de encher os olhos, percorrem toda extensão da cidade. Existe amor a própria terra, amor a cultura. A capital guarda além das histórias de guerra – se orgulham por terem combatido o nazismo e o fascismo – muita cultura literária, artística, esportiva e nos traz uma sensação incrível de estarmos sem comunicação. Dificilmente encontramos alguém que fale bem inglês. O português, então, nem se fala.

De Moscou, pegamos mais um avião, que em quatro horas nos deixou em Mineralnye Vody, região da Balkaria. De lá, seguimos por mais quatro horas em um transfer, e após passarmos pela fronteira administrativa, chegamos em Terskol.  A partir deste vilarejo que começaríamos nossa ascensão do Elbrus.

O processo de aclimatação começa em Mt. Cheguet, zona fronteiriça com a Geórgia. Após o primeiro dia do processo, partimos rumo a Elbrus. Por lá, fizemos mais dois dias de aclimatação para então, ascendermos ao cume.

A Rússia é um país enorme, possui uma vasta história sobre seu território, inclusive a existência da antiga União Soviética. O cantinho conhecido como Balkaria – Cabardia, possui uma administração própria. A cultura dessa região destoa do restante do país, já que a religião predominante é o islamismo.  Os loiros russos que estamos acostumados a ver em filmes, dão lugar aos morenos que mais se assemelham aos turcos.

As saladas russas feitas como batatas, iogurte, pepinos, tomate e claro, funcho como tempero, compõe a alimentação local, bem como os bolinhos de carnes e frango, que são uma delícia! Pela manhã, mingau de aveia que mais parece aquele mingauzinho de vó. Conhaques e vinhos da Geórgia, que são verdadeira iguarias, também merecem ser lembrados!

Muitos dizem que o Elbrus é fácil ou talvez a mais fácil entre os 7 cumes, mas desde que estive aqui a primeira vez, pude perceber que é uma montanha tinhosa. As mudanças bruscas de clima fogem das previsões mais assertivas, provando que a natureza não é exata e que nós, seres humanos, devemos ser versáteis e pacientes para encontrar o melhor momento para a subida. Qualquer alta montanha exige respeito, entrega e treinamento específico.

Havíamos programado uma expedição que contabilizava quatro dias na montanha. Chegamos ao refúgio alto, que está a 4100m de altitude para aclimatação final e o clima parecia instável. No dia seguinte, subimos a Pashtuhov Rock que está a 4650m. Enfrentamos o frio de -15 celsius e ventos de 50km por hora. Tudo indicava que deveríamos ter paciência. Naquela noite o tempo mudou! A neve começou a cair com força, o frio se intensificou e ficamos seis dias estocados no refúgio, até podermos decidir que a única janela possível de cume seria em 08/09/2022. A cada dia a resiliência mental, a resistência corporal e o ânimo da equipe faziam com que continuássemos otimistas.

Durante os dias de refúgio, quatro deles estivemos sozinhos e nos últimos dois já tínhamos a presença de um iraniano e um russo, que visualizavam o dia de cume exatamente na mesma data que nosso grupo. A presença deles fez toda diferença para quebrar nossa monotonia e conseguirmos explorar novos assuntos e conhecimentos. Costumo dizer que a paciência é uma das maiores virtudes da alta montanha. Nesta experiência nitidamente a paciência foi o fator decisivo para o sucesso. Nestes dias presos, alteramos as passagens aéreas usando o pouco sinal que tínhamos. Estávamos dispostos a fazer o cume por mais que tivéssemos que esperar mais e mais.

No dia 07 o dia continuava horrível, neve intensa, frio intenso. Era impossível acreditar que iria melhorar para dia 08, ainda mais com as previsões de 50km de vento na altitude de cume e as nevascas ainda presentes em todos os modelos consultados. A decisão foi acordar por volta das 02h e analisarmos as condições. E foi o que fizemos. O clima estava calmo, céu estrelado, sem neve, frio normal para região. Como um passe de mágica, o clima estava perfeito. Foi neste momento sabíamos da grande chance de cume.

Saímos do refúgio as 04h, seguimos a altitude de 4800m com o apoio dos snowcats – comuns na escalada pelo lado sul – e de lá seguimos nossa escalada ao cume. A subida já começa com inclinação de 30 graus e com frio intenso. Elbrus é uma montanha sempre gelada e ventosa, devido a localização geográfica e mais especificadamente a latitude. Por isso, se faz necessário a utilização de equipamentos robustos que servem para montanhas de 8000 ou expedições polares.

Após duas horas de subida já havíamos contemplado o nascer do sol. Estávamos no colo que divide o cume oeste e o cume leste, ponto importante de parada e recuperação física. Nosso tempo de deslocamento estava excelente. Paramos por dez minutos para nos hidratarmos. Seguimos para parte mais inclinada que chega aos 45 graus e possui um trecho de cordas fixas como uma espécie de backup, evitando a queda pela encosta, que pode ser fatal.  Dali para cima fomos nos emocionando, nos conscientizando do sucesso e o quanto havíamos trabalhado para chegar onde estávamos! Ao pisar no topo, nos abraçamos, choramos, comemoramos, fizemos fotos e iniciamos nossa descida sem pressa, contemplando toda cordilheira do Cáucaso. Essa cordilheira é algo incrível! Montanhas escarpadas, piramidais, selvagens e pouco frequentadas. Um prato cheio para montanhistas de todo mundo.

Sabemos que a jornada, o caminho, é o que mais interessa, mas é inevitável reconhecer que atingir o cume e o objetivo final, nos dá um gosto especial e uma confiança maior em nós mesmos e nossas próximas expedições.

O Elbrus é uma montanha nos mostra que mesmo as montanhas que são julgadas simples do ponto de vista técnico, podem ser intensas e perigosas quando oferecem mau clima. Não existe montanha fácil, mas certamente elas se tornam mais acessíveis quando respeitamos sua grandiosidade e nos preparamos de forma correta.”


Escrito por

Rachel Magalhães

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM. Apaixonada por aventuras, ama viajar, conhecer novos lugares e estar em contato com a natureza. Faz parte do time da The North Face há nove anos.