Um sonho na cabeça, uma moto e um mundo inteiro para ser explorado. Essas três coisas praticamente definem o estilo de vida do empreendedor paulistano Pedro McCardell. Com uma ideia na cabeça e uma vontade enorme de mergulhar de cabeça em outras culturas, ele saiu de São Paulo e foi viajando de moto até a Califórnia.
Foram mais de 25 mil km, rodados em 58 dias, de forma totalmente solitária. Detalhe: Pedro não viajou pelas grandes estradas, ele passou por lugares inóspitos, paisagens intocadas, conheceu muitas pessoas, culturas e, acima de tudo, usou essa experiência para chegar ao Vale do Silício e apresentar um projeto inovador e de autoria própria: um aplicativo para todos que amam a natureza e a vida ao ar livre.
Para entender melhor quais foram as motivações, descobertas e dificuldades que essa aventura proporcionou, nós batemos um papo com o Pedro. Durante a conversa, ele deu dicas, falou sobre perrengues, aprendizados e explicou pra gente um pouco mais sobre essa ideia que o moveu pelas Américas.
The North Face Brasil: Qual foi a sua motivação para decidir viajar de moto sozinho de São Paulo até a Califórnia?
Pedro McCardell: O meu objetivo, além de trazer visibilidade para o projeto, a Lyfx.co, e captar investimento para iniciar o negócio nos Estados Unidos, era mapear o ecossistema de aventura de algumas regiões específicas. Durante a travessia pude explorar o deserto do Atacama, o interior e o litoral do Peru, parte da Colômbia e principalmente os Estados Unidos, onde cruzei pela 10 West até o Colorado e depois subi pelas Rocky Mountains, Canyonlands em Moab (Utah) e depois entrei na California por Lake Tahoe, no norte do estado.
Sobre a minha motivação, sempre foi a aventura. Acredito que a verdadeira aventura é aquela onde somos responsáveis por todos as nossa decisões, a escolha e manutenção do nosso equipamento e resiliência, principalmente na resolução de eventuais problemas. Acho que apenas quando estamos sozinhos podemos vivenciar isso profundamente e entender uma aventura.
TNF: Você já costumava fazer esse tipo de viagem antes?
PM: Sim. Eu viajo desde muito cedo e pratico algumas atividades de aventura. Como a maioria delas é preciso viajar, acabei consequentemente caindo na estrada muitas vezes. Já viajei bastante pra surfar, saltar de paraquedas, algumas vezes para acampar, fazer trilhas, escalar montanhas, enduros de moto, travessias aquáticas, enfim, uma porção de coisas.
TNF: Quais são as suas primeiras memórias de uma viagem de aventura?
PM: Provavelmente a minha primeira viagem ao México, quando tinha 18 anos. Trabalhei durante alguns meses que antecediam o natal, e quando saí, fui passar uma temporada em Puerto Escondido. Eu me lembro como se fosse hoje aquela sensação de sair de casa para explorar o desconhecido. Acabei passando alguns meses por lá. Fui sozinho, naquela época não tinha internet, telefone celular, nada… eu aprendi a falar espanhol, surfei diversas ondas, e passei alguns apuros também. Eu ainda não estava totalmente preparado para aquela situação. A verdade é que não existe muito esse negócio de estar totalmente preparado. Você se prepara e vai, cada um no seu nível e no seu limite, o importante é dar o primeiro passo.
TNF: Qual é a importância que este tipo de experiência tem na sua vida?
PM: Toda a importância. É certamente esse tipo de experiência que ajuda a desenvolver a minha personalidade e quem eu sou. São essas experiências que me fazem pensar e perceber o como é importante ser uma boa companhia para si mesmo. Mesmo durante uma passagem mais crítica, como manter a calma pra não espanar.
Acho que isso nunca tem fim e que cada experiência é muito diferente, com as suas virtudes e dificuldades. É um aprendizado constante e causa um efeito em cada indivíduo. Então, se você quer aventura, se você quer esse tipo de experiência, você tem que ir atrás dela. Dificilmente ela vai até você.
TNF: Como você desenhou o roteiro da viagem? Quais eram as experiências mais importantes a serem vividas no trajeto?
PM: Eu não desenhei exatamente um roteiro. Embora tenha levado alguns mapas, era algo bem flexível. Eu não costumo utilizar GPS porque geralmente esses dispositivos funcionam muito bem nas cidades, mas te prejudicam nas estradas. Você não pode depender de sinal de satélite numa expedição dessas, muitas vezes ele não existe. Se você desenhar um roteiro desses e se apegar a ele, pode se frustrar. As condições metereológicas oscilam muito, a condição das estradas mudam o tempo todo, principalmente o inverno nos Andes, como eu atravessei. Às vezes, você acha que pode fazer uma rota e aparece um desvio, houve uma chuva que destruiu centenas de quilômetros de estrada no Peru, em alguns países a sinalização é ínfima, enfim, são dezenas de variáveis.
Respondendo a segunda pergunta, acho que a experiência mais importante a ser vivida no trajeto era manter o corpo e a cabeça aptos e saudáveis para sobreviver, dia após dia. Quando você está sozinho e não pode cometer erros, permanecer consciente e calmo é a melhor experiência que você pode vivenciar para seguir avançando.
TNF: Quais foram as maiores dificuldades?
PM: Quais não foram, né? Mas, principalmente as baixas temperaturas na Cordilheira dos Andes a 5 mil metros de altitude, as fortes chuvas (fortes mesmo), nevascas, tempestades elétricas, estradas à beira de penhascos sem absolutamente nenhuma proteção, as altas temperaturas (49ºC), um pneu que estourou a mais de 100km/h, um tornado e uma bactéria que me deixou internado por 4 dias no Peru e me tirou parcialmente a visão temporariamente. Mas, principalmente a incerteza de poder completar a expedição. Ao mesmo tempo em que é muito desafiador, em alguns momentos [essa incerteza] pode jogar com a sua concentração e te colocar em situações adversas. Não dá pra vacilar. Isso não é permitido quando você está sozinho.
TNF: Quais foram as melhores lembranças/situações/conquistas que esta viagem lhe proporcionou?
PM: São realmente muitas. Mas a maioria são coisas muito simples como chegar em uma cidade desconhecida, experimentar uma comida nova e descansar, tomar um banho e dormir. Acordar e saber que está vivendo algo tão legal.
Eu escalei uma montanha incrível no Deserto do Atacama que me proporcionou uma das melhores vistas que já tive. Algumas ondas que surfei no caminho com pranchas emprestadas, roupas emprestadas, a passagem por Abra del Acay na Argentina, que é a estrada mais alta de todo ocidente. Mas, acho que acima de tudo, e também ajuda o fato de estar sozinho, os amigos e as pessoas que conheci. Isso é quase sempre o principal de uma aventura.
TNF: O que não pode faltar em uma viagem de moto pelas Américas? (Equipamentos, roupas, comida, remédios etc)
PM: Não te pode faltar medo, rs. E depois coragem, e depois medo de novo. E depois coragem pra seguir. Equipamentos são importantíssimos e posso até puxar uma sardinha pra vocês, porque praticamente todo meu equipamento é TNF. Eu uso uma down jacket por baixo do equipamento principal da moto, que era uma jaqueta de rally da KTM, que é também a moto que eu uso. Tenho uma calça summit series que foi surrada, um fleece e uma bota pra escalar, que uso na moto também. Os equipamentos da TNF são bem compatíveis com uma expedição de motocicleta, salvo algumas proteções específicas para coluna, joelhos, cotovelos e ombros.
Comida e remédios eu levo apenas o básico. Umas frutas secas pra hora da fome ou pequeno lanche no posto de gasolina, algum analgésico, kit de pequenos socorros com linhas pra dar uns pontos, água oxigenada e só. Pasta e escova de dentes, um desodorante e um abraço.
TNF: Fale um pouco sobre a Lyfx.
PM: A Lyfx é a consequência de 2 coisas. A minha vida de empreendedor e a minha paixão pela aventura. A ideia nasceu no final de 2015 durante uma expedição em solitário na Patagônia. Quando eu chegava nos lugares tinha certeza de que haviam muitas atividades ao ar livre para serem exploradas, mas não tinha informação suficiente para pode ir em frente. Então pensei: vou criar uma plataforma que possa unir viajantes e guias locais. O conceito é muito simples, e ele até já existe, no caso do Guia Turístico. No caso da Lyfx, ele é voltado 100% pra uma aventura ou atividade outdoor, sem a intermediação das agências. Ou seja, você se conecta diretamente com aquela pessoa local que realmente conhece tudo da região.
TNF: Qual é a situação atual do projeto Lyfx? Vocês já conseguiram o aporte necessário? Tem data para começar a funcionar?
MP: Depois da minha viagem, e do boca a boca que isso acabou gerando entre alguns investidores, conseguimos um aporte bastante substancial para dar início ao projeto, e o nosso objetivo é fechar o primeiro round de investimentos até o final de março.
A Lyfx foi incorporada na Califórnia, e nós conseguimos unir um time muito forte nos Estados Unidos. Entre os nossos advisors principais está o Steve Shindler que foi o CEO Global de uma Telecom durante muitos anos, o Gus Kopit que é diretor de criação da Crispin Porter & Bogusky, umas da agências de publicidade mais criativas de Los Angeles, o Phillipe Tosi que é pesquisador na NASA e o Vic Miller, que hoje é engenheiro sênior na Tesla. A nossa ideia é trazer pessoas que pensam mais avante do que o mercado software, aplicativos, e até negócio, muito tradicional. E não temos medo de dizer que algum dia levaremos alguém para uma exploração espacial. Aliás, por que não? É apenas uma questão de foco.
Antes de ir para a Califórnia, Pedro já havia explorado a América do Sul em sua moto. A viagem rendeu um documentário muito interessante, que você pode assistir no vídeo abaixo 😉