Violência, tráfico de drogas, armas e insegurança. Quando ouve-se falar em comunidades cariocas, esses são alguns dos assuntos que logo vêm à mente. No entanto, um projeto social tem trabalhado para mudar isso, levando oportunidades e os esportes de montanha até jovens e adolescentes que precisam de um incentivo extra para chegar ao topo do morro e perceber que o mundo é muito maior do que a sua própria comunidade.
O Centro de Montanha Vidigal é um projeto idealizado pelo montanhista e escalador Marcelo Crux há oito anos. Durante quase uma década, o projeto tem levado a escalada, o slackline e muitos outros esportes de aventura a algumas das comunidades mais conhecidas do Rio de Janeiro: Morro do Vidigal e Morro da Chácara do Céu.
As duas “favelas” estão em locais privilegiados, com vistas incríveis para o mar e uma proximidade enorme com a floresta de Mata Atlântica. Mesmo assim, as duas comunidades sofrem com a violência e, principalmente, com a degradação ambiental. Foi justamente a junção desses dois problemas que incentivou a criação do Centro de Montanha Vidigal, também conhecido como CMV.
“O Centro de Montanha Vidigal (CMV) foi uma ideia que nasceu de um trabalho social de 2004 – concluído em 2009 – chamado Turismo Alternativo. Era um grupo de lideranças do local unidas pelas artes e cultura, onde eu estava como coordenador e fundador. A partir de então, em 2010, decidi criar algo para as montanhas do Vidigal serem preservadas. A inspiração do CMV foi a preservação dos recursos hídricos e de fauna e flora do Vidigal e do entorno, tão rico em natureza e beleza cênica”, explicou Marcelo Crux, relembrando o início do trabalho.
Para alcançar este objetivo, o projeto tinha que colocar, então, as pessoas da comunidade em contato com a natureza. Afinal, é impossível amar e cuidar daquilo que se desconhece. “Existe ainda um número muito grande de pessoas que desconhece a aventura, os esportes de montanha. E, conhecendo estes esportes, a pessoa passa a entender melhor a importância da natureza e seus diversos recursos para a vida dele próprio. O foco do nosso trabalho social é que os jovens multipliquem este pensamento de conservação, tão raro nas favelas e morros cariocas, para proteger as matas e montanhas do Vidigal e seu entorno.”
Não demorou muito para que o projeto ganhasse os seus primeiros alunos nas modalidades escalada e segurança. Hoje, o CMV desenvolve ações para diversas outras modalidades de montanha, que vão desde a caminhada até o highline, passando pela escalada e pelo trail running. Além de vivenciar o esporte, os jovens locais são capacitados para serem guias, instrutores e, principalmente, multiplicadores dos esportes e dos conceitos de cuidado e preservação ambiental.
Realizando sonhos
O Centro de Montanha do Vidigal foi criado para levar oportunidades e conscientização às comunidades. Mas, o projeto foi muito além disso, realizando sonhos e transformando o futuro de muitos jovens que estão constantemente expostos ao crime.
Augusto Henrik é um desses alunos e ele nem se imagina mais longe da escalada. O primeiro contato dele com o esporte foi suficiente para que ele soubesse que ali, na rocha, era o seu lugar. “Fui tomado por uma enorme adrenalina”, lembra. “A montanha sempre fez parte da minha vida. Sempre quis escalar e sabia que mais cedo ou mais tarde, iria de encontro a esse sonho. Portanto, posso dizer que o Centro de Montanha Vidigal me abriu as portas para este esporte e me permitiu realizar meu sonho.”
Assim como Augusto, outros moradores das comunidades tiveram contato com o esporte e se apaixonaram pela aventura. Paulo Henrique King, por exemplo, é a prova de que o esporte tem realmente poder para transformar vidas. Hoje, morando na Alemanha, ele é lembrado com muito carinho por Marcelo Crux: “Uma alegria em especial foi poder ver a ascensão social e como pessoa em si do nosso aluno Paulo Henrique, o PH King. Ele já era um slackliner e highliner do Vidigal, que inclusive esteve desde o início do CMV, mas que após conhecer mais o ambiente de montanha teve uma melhoria impressionante na sua técnica de segurança e de ancoragens na rocha. Assim, ele agregou o talento nato dele com as aulas do CMV e hoje trabalha e mora na Alemanha, com novos desafios para a vida profissional e pessoal, inclusive com a possibilidade de trabalhar no novo centro de escalada indoor de uma cidade próxima a que eles se estabeleceu nos Alpes. Sem dúvida uma história de sucesso e de felicidade”, comentou Marcelo.
O Centro de Montanha Vidigal apresentou um mundo diferente para PH King. Agora, mesmo distante, ele continua sonhando e com os pensamentos na comunidade. “Meus sonhos são conquistar cada lugar das montanhas”, disse ele, acreditando que, levar a cultura e a estrutura do montanhismo para o Vidigal, proporciona uma integração com o povo local e pode realizar muitas transformações dentro da favela.
Potencial escondido
Apesar de todo o poder social e ambiental do projeto, que também tem uma base comunitária e realiza campanhas de conscientização ambiental, limpeza, reciclagem, manejo de trilhas, entre outras coisas, Marcelo deixa claro que este não é o único intuito do trabalho.
Ele também quer proporcionar a descoberta de novos talentos para os esportes de aventura, oferecendo à comunidade outras possibilidades. “Uma das inspirações do trabalho social de escalada para os jovens do Vidigal também foi perceber que existiam diversos talentos para a escalada e o highline/slackline que estavam escondidos nos jovens. Meninos e meninas hoje podem estar desperdiçando a chance de serem atletas olímpicos – visto que a escalada estará nas Olimpíadas de 2020 – ou mesmo atletas de ponta nas diversas modalidades de montanha. É uma satisfação enorme perceber como a montanha melhora a vida das pessoas. Não só psicologicamente, mas socialmente. A pessoa passa a buscar horizontes de conhecimento totalmente novos”, conclui Marcelo.
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