Inspiração

Correr uma ultra maratona já algo desafiador. Imagine, então, sair do calor do interior de São Paulo, para correr 150 quilômetros em um local inóspito e com temperaturas extremas? Após se aventurar em uma das corridas de montanha mais desafiadoras da América do Sul, o engenheiro e atleta amador, André Arand decidiu ir ainda mais longe e colocar seus próprios limites à prova.

Após algumas pesquisas, ele descobriu a Rovaniemi, uma prova incrível que acontece na Finlândia. Apesar de praticar montanhismo há 20 anos e correr desde 2011, essa foi, realmente, uma experiência diferente de tudo. Os detalhes dos 150 km no frio congelante do Ártico estão no depoimento que ele compartilhou com a gente e que nós trazemos aqui na íntegra. Já adiantamos que os desafios dessa prova não foram o bastante para limitar os sonhos de André, que já planeja voos mais altos e tem como próxima meta encarar 550km no inverno da Islândia sem nenhum tipo de apoio!

Confira os detalhes dessa história:

“Eu estava sozinho, em fase inicial de hipotermia, desidratado e sem conseguir mexer as mãos há 2 horas. Só conseguia pensar em chegar ao único ponto de apoio aquecido, localizado na metade da prova da prova. Já tinham se passado 18 horas e quase 80km, mas eu queria desistir de tudo – o mais rápido possível.”

Foto: André Arand/Arquivo Pessoal

Para compreender melhor a minha jornada, é preciso voltar a 2016, quando concluí os 100km da Ultra Fiord. A prova é considerada uma das mais duras e selvagens do trail run da América do Sul. Uma das grandes dificuldades é o clima instável e imprevisível, justamente o que me encanta na Patagônia. Atravessei a linha de chegada em êxtase e resolvi, a partir daquele momento, buscar um novo projeto, mais desafiador, ousado e difícil.

Após uma intensa pesquisa de provas pelo mundo, analisando pré-requisitos e custos envolvidos, escolhi a Rovaniemi 150km de 2018, na Finlândia. Relatei para a organização meu desempenho na Ultra Fiord e os anos de experiência em alta montanha. Acabei aceito! Ali comecei um extenso período de treinamento. Entre 2016 e 2017, completei provas como os 160km da The North Face Endurance Challenge, no Chile, com altimetria de 9.000m, e também os 214km da Swiss Alpine, na Suíça, com altimetria de 11.500m. E assim, me senti preparado para o desafio – fisicamente e mentalmente.

Embarquei na noite de 14 de fevereiro de 2018 para a Finlândia. Foram mais de 20 horas de viagem até pousar em Rovaniemi. Mas uma surpresa mudou todo planejamento. A companhia aérea havia perdido minhas malas. Na bagagem de mão, eu tinha alguns itens pessoais e um casaco de pluma de ganso Nuptse da The North Face – que comprei em 2002 para a escalada do Huayna Potosí, na Bolívia. Desde então, a peça passou a ser companhia obrigatória nas minhas aventuras. Mas como eu faria para participar da prova? Estava sem equipamentos, roupas, alimentação e primeiros socorros.

No congresso técnico, o diretor da prova Àlex conseguiu emprestado para mim um saco de dormir para 40 graus negativos, um dos itens obrigatórios. À tarde, fui às compras. Após contar minha triste história, recebi apoio de muita gente e ganhei bons descontos. Apesar das peças não serem as ideais, reuni o básico para largar. 

Foto: Javier Guevara/Divulgação – Rovaniemi150

Minutos antes da prova, organizei o trenó, que eu levaria ao longo dos 150km. Tudo ficou improvisado. Porém, estava animado. Já tinha esquecido tudo que havia passado. E assim, com temperatura de -10 graus e um pouco de neve, largamos pontualmente às 9 horas. No início, consegui manter um ritmo bom, considerando a quantidade de neve pelo caminho. Passei por 5 pontos de apoio, muitos simples, que possuíam apenas um caldeirão sobre o fogo. Ao longo da corrida, conversei com muitos atletas, como o sueco Henrik Fredriksson, que tentava completar a prova pela segunda vez, agora na distância de 300km. 

Foto: Andre Arand/Arquivo Pessoal

No fim da tarde, enfrentei o trecho mais difícil: a travessia de uma pequena ponte de madeira sobre um córrego e um longo percurso em meio à floresta, com subidas e descidas íngremes. Este sobe e desce com neve virou várias vezes o trenó, o que derrubou uma sacola pelo caminho – justamente onde estavam minhas luvas grossas e garrafas térmicas com água. À noite, a temperatura chegou a -20 graus. As mãos começaram a congelar. Ao procurar as luvas, percebi o que tinha acontecido. Preocupado, só pensava em avançar o mais rápido possível para me aquecer.

Foto: Andre Arand/Arquivo Pessoal

Mas, em meio à escuridão, avistei uma das imagens mais lindas do universo: a famosa aurora boreal. Por mais de 1 hora, corri acompanhado por essa maravilha. Senti uma energia muito grande, que me garantiu a força necessária para chegar, às 3h da manhã, à metade da prova. Neste ponto, finalmente, encontrei duas cabanas pequenas aquecidas. Eu estava decidido a desistir. Vesti meu casaco, bebi água e me alimentei. Fiquei ali me aquecendo em frente ao fogo durante 2 horas e meia. Até que parei de tremer. As mãos voltaram a ter sensibilidade. Mas sabia que o próximo trecho seria o mais longo sem apoio. Era impossível seguir em segurança sem água e luvas grossas. Foi então que apareceu à minha frente o sueco Henrik. Ele tinha em mãos a minha sacola perdida. Quase não acreditei.

Foto: Virginie Meigné/Divulgação – Rovaniemi150

A animação estava de volta. E após 3h30 parado, resolvi me apressar e prosseguir. Eu precisava completar a distância dentro do tempo limite. A temperatura caiu ainda mais na madrugada, batendo os 25 graus negativos. O casaco de pluma de ganso manteve meu corpo aquecido. Porém os pés e o nariz congelaram, e o cansaço de virar a noite piorava a situação. Eu não podia ficar parado por mais de 5 minutos para não deixar a temperatura corporal baixar.

Nos últimos 20 quilômetros, tive que acelerar o máximo possível, alternando trote e caminhada forte, para completar o percurso em menos de 42h. O trenó parecia pesar o dobro. Faltando 5km para a linha de chegada, de repente, as dificuldades sumiram e passei a curtir a experiência. Corri ao lado de Ahmad Fathium, atleta de Brunei Darussalam, e conversamos sobre curiosidades dos nossos países. Estávamos orgulhosos no nosso pioneirismo em representar países tropicais no frio extremo.

Foto: Julian Amorrich/Divulgação – Rovaniemi150

Nos 150km, 58 atletas largaram em diferentes modalidades, apenas 26 completaram – 15 eram corredores. Cheguei em 13º após 41 horas e 37 minutos, apenas 23 minutos antes do corte. A alegria daquele momento era como se eu tivesse vencido a prova. 

Ao voltar para o hotel, uma surpresa: lá estava a minha mala, recém entregue pela companhia aérea. Meu voo de volta ao Brasil saía em menos de 10 horas. Estava exausto, porém feliz em ter superado as dificuldades. E aquele pensamento…. qual o próximo desafio?”


Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.