Inspiração

Você já observou um ultramaratonista e se perguntou: como essa pessoa consegue correr por tanto tempo sem parar? De fato, fazer provas longas, seja na cidade ou na montanha, que levem o corpo ao extremo e exijam um alto preparo físico e psicológico, não é para todo mundo. No entanto, não é preciso ser um “super-atleta” ou apenas viver do esporte para conquistar uma prova de longa distância.

O Tiago Duarte é prova disso. O capixaba é analista de sistemas e concilia a profissão com as rotinas de treino para corridas de montanha. Ele começou no esporte em 2007, correndo na rua apenas com o intuito de perder peso. Por acaso, depois de um tempo, ele acabou de inscrevendo para uma prova de trail run e nunca mais parou. Em 2015 ele fez a sua primeira prova de ultramaratona: 100k na Patagônia. A experiência foi tão marcante, que ele resolveu ir além e se inscreveu para correr os 130k, no mesmo lugar.

Ele nos contou todos os detalhes do preparo e o resultado dessa aventura. Confira abaixo o depoimento dele na íntegra:

“Gostaria de convidar vocês a me acompanharem por uma longa e tortuosa trilha que, muitas vezes, pode ser mais difícil e desafiadora do que a que nos propomos correr nas ultramaratonas de trail run.

Digo sempre que para correr uma ultramaratona por trilha de montanhas é preciso estar muito mais bem preparado psicologicamente do que fisicamente. Que a preparação psicológica deve ser pelo menos igual à preparação física, apesar de sugerir que essa deva ser maior.

Quando decidi participar da minha primeira ultramaratona não precisei focar tanto nessa preparação, pois seria algo novo, algo nunca antes experimentado pelo meu corpo, por meus sentimentos.

Foquei muito em estar preparado e sem sentir dores nos cinco meses de preparação e cheguei muito bem e feliz para a largada dos meus primeiros 100K da vida em 2015.

Os treinos foram tão duros e difíceis, que a prova se tornou fácil e foi sensacional. Consegui sofrer pouco e, com muita determinação, consegui completar. Acredito que toda essa diversão se deu ao fato de estar realizando algo totalmente novo e inexplorado. Além disso, presenciei cenários deslumbrantes, magníficos e passei por lugares na Patagônia (local da minha prova) onde acredito que nem 1% da população do planeta poderá apreciar tamanho espetáculo, afinal existe a especulação de que menos do que 1% da população corre uma maratona. Imagine então uma ultramaratona e pela Patagônia.

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Tiago Duarte na conquista dos 100k em sua primeira corrida na Patagônia. – Foto: Arquivo Pessoal/Tiago Duarte

Fato é que a primeira ultramaratona foi, na medida do possível, tranquila. Entretanto, a experiência foi tão positiva, que decidi partir para um desafio ainda maior. Correr 130K no próximo ano na mesma prova.

Dessa vez as coisas já seriam um pouco diferentes. Eu iria correr 130k e desses, 100k seriam pelo mesmo trajeto do ano anterior. Além disso o desafio não era algo novo e para piorar, todos os amigos que eu fiz durante os meus primeiros 100k falaram que não iriam participar novamente da corrida, pois queriam experimentar provas diferentes e, para eles, repetir o trajeto era algo nada animador.

Estava decidido e resolvi, já que estava inscrito, me dedicar ainda mais aos treinos e chegar bem preparado para a quebra do meu recorde. Porém, dessa vez, tratei de focar nos meus treinos mentais e busquei ajuda de uma psicóloga. A ideia era me entender, tratar minhas tormentas, conseguir mudar rapidamente meus momentos/pensamentos de negativos para positivos (sabendo que os positivos também voltam a ser negativos) e, dessa forma, me preparar para aguentar o desafio e me sentir confortável e feliz comigo mesmo por horas e horas na mais absoluta solidão, silêncio e esforço ao qual me submeteria.

Depois de aproximadamente cinco meses de treinamento e dedicação, me encontrava na largada e certo do que havia decidido por fazer. Vendo fotos e vídeos nos dias posteriores à corrida, percebi o quão focado e concentrado eu estava na largada. As pessoas falavam e riam comigo e eu já estava completamente só no meu mundo, sem muitas reações.

Liberado o início da prova, lembro de estar em uma felicidade extrema. Minha atual esposa, meu fiel companheiro de treino e sua esposa estavam lá, eles me saudaram, gritaram e o apoio deles foi fundamental naquele momento. Era o restinho de ‘combustível’ que faltava para completar o tanque de felicidade necessário para encarar os 130k.

Como esperado e treinado, aos 30k de prova, quando o sol já tinha se despedido e o frio ameaçava mostrar sua força, tive o primeiro momento negativo. Uma pergunta não saia da minha cabeça: ‘O que eu estou fazendo aqui?’ Rapidamente busquei uma solução (lembre-se: precisava mudar meus pensamentos negativos para positivos) e prometi para mim mesmo que essa seria a última ultramaratona que faria na vida e, pronto, o pensamento ruim tinha ido embora.

Por um longo momento me mantive firme e forte, rodando e curtindo a prova, mas não esperava permanecer dessa forma por 26h… seria impossível.

Como imaginei, tive vários momentos de baixa na prova, mas superados usando minhas estratégias pessoais e que me fizeram completar meu objetivo.

Usei de vários métodos. Cantei, e alto, sozinho enquanto desbravava as trilhas. Pensei nas várias mensagens de incentivo que recebi momentos antes de sair do hotel em direção à largada da prova.

As entrevistas que tinha dado para TV, contando do meu projeto em realizar esse sonho, também serviram para motivar e manter minhas passadas, uma seguida da outra, durante as 26h e 8 minutos.

Também usei métodos para ‘trapacear’ minha mente. Quando surgia um pensamento negativo do tipo: ‘Que corrida longa, uma ultramaratona de 130K nas trilhas e deserto da Patagônia’, tentava suavizá-lo pensando: ‘Estou fazendo um passeio/caminhada de um dia, para apreciar lugares pouco visitados e maravilhosos onde poucas pessoas têm a oportunidade de conhecer’.

Correr na Patagônia é uma oportunidade única de mergulhar em um ambiente incrível. – Foto: Arquivo Pessoal/Tiago Duarte

Outra forma que tinha de ‘enganar’ minha mente era a já conhecida estratégia de resolução de problemas: Dividir para conquistar. Quando me encontrava muito cansado e determinado a desistir combinava com as minhas tormentas mentais para ‘assoprarem’ de forma mais branda e convencendo-as que correria apenas até o próximo ponto de controle (locais na prova onde você encontra assistência). De lá, seguia em frente até o próximo ponto de controle, e assim sucessivamente até a chegada.

Imaginar como seria minha chegada, como eu iria comemorar, como seria o reconhecimento por completar a prova, por quebrar meu recorde de distância… essa me fazia até chorar. Imaginar as pessoas recebendo essa notícia e falando ‘Esse cara é bruto e determinado’, me emocionava.

O ponto crucial e determinante e onde pus fim a todas as possibilidades de tormentas negativas foi quando quebrei meu primeiro recorde. Isso aconteceu no momento em que superei as 21h49min correndo sem parar do ano anterior (na prova de 100k). A partir desse momento, curti cada segundo. Todos eles representavam um novo limite do meu recorde. Chegar às 24h de corrida reforçou ainda mais meu positivismo, pois poderia falar para todos que corri um dia inteiro sem parar.

Lembro me perfeitamente nos metros finais da minha ultra de 130k, quando avistei minha maior incentivadora e que me esperou por 26h08min. Agarrei sua mão, e me dirigi andando até a linha de chegada.

Ela gritava emocionada, orgulhosa e satisfeita para eu correr. Eu não queria mais correr. Não queria que minha corrida acabasse. Não queria acordar do meu sonho. Não queria desligar meu cronômetro e voltar à ‘vida normal’. Mas essa possibilidade não existia e cruzei a linha de chegada satisfeito em um dos momentos mais felizes da minha vida. Completei 130k.

Minhas provas me ensinaram que ‘Tudo Passa!’, tanto as coisas boas, como as coisas ruins. E, atualmente, tento trabalhar minha mente para que ela se esvazie de pensamentos ruins/negativos rapidamente, pois participar de uma ultramaratona carregado de pensamentos negativos é praticamente uma derrota. Logo preciso inverter esses pensamentos e transformá-los em positivos.

Para correr uma ultramaratona você deve estar feliz, deve correr feliz!”

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As duas medalhas, símbolo de suas conquistas pessoais e superação. – Foto: Arquivo Pessoal/Tiago Duarte

 


Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.