O Caminho de Santiago da Compostela é um dos destinos mais famosos no mundo para quem está em busca de uma viagem de peregrinação. Além de ter diferentes opções de rotas, cada um dos viajantes que se aventura por esse caminho vive uma experiência única e intensa. É impossível seguir o Caminho e não passar por reflexões, superação e colecionar uma série de aprendizados.

O fotógrafo e viajante Fayson Merege acabou recentemente o seu Caminho e contou todos os detalhes dessa experiência com a gente. Confira abaixo o depoimento completo:

VIA DE LA PLATA + SANABRÉS

O caminho Via de La Plata + Sanabrés é o segundo mais conhecido a ser feito por peregrinos que desejavam chegar em Santiago de Compostela. Existem 3 opções para começa-lo: Granada, Córboda e Sevilla.

Eu escolhi começar em Sevilha, percorrendo 1007km até Santiago de Compostela. Precisamente, a partir do período medieval, a Via da Prata deixava de ser apenas uma rota comercial para também se tornar o Caminho a ser seguido pelos cristãos do sul da península em sua peregrinação a Santiago.

A rota comercial teve 3 importantes povos:

· Tártaros: Há evidências de que as primeiras aldeias que habitavam a península (incluindo os tártaros) já usavam essa rota para o comércio com as áreas do norte.

· Romanos: Os romanos se aproveitaram para realizar a conquista peninsular e mais tarde foi configurada como uma das principais estradas do império, permitindo a comunicação do sul da antiga Hispânia com a costa da Cantábria.

· Mozárabes: Ao longo dos anos, a rota, além de continuar a desempenhar um importante papel comercial, também foi usada pelos Mozárabes (cristãos que vivem no território de Al-Andalus) como uma rota de peregrinação às áreas do norte onde havia começado a reconquista.

Diferente do caminho ‘tradicional’ francês e mais conhecido, que se inicia em Saint Jean Pied de Port, na França, o Via da Prata tem 207km a mais e um grau de dificuldade consideravelmente maior, seja pelas longas etapas do começo e/ou pelas dificuldades de encontrar lugares para descansar ou, até mesmo, encontrar algum bar/mercado aberto nos horários em que os peregrinos passam pelas pequenas vilas ao longo do caminho.

O Via da Prata é dividido em 34 etapas e cruza 4 Estados da Espanha: Andalusia, Extremadura, Castilla y León e Galícia.

1. Sevilla – Guilhena = 22km

2. Guillhena – Castilblancos = 19km

3. Castilblancos – Almadén de La Plata = 29,5km

4. Almadén – El Real de La Jara = 16,5km

5. El Real – Monastério = 20,7km

6. Monastério – Fuente de Cantos = 22km

7. Fuente – Zafra = 26,5km

8. Zafra – Villafranca de los Barros 20,7km

9. Villafranca – Torremegia = 27,6km

10. Torremegia – Mérida = 16,5km

11. Mérida – Alcuéscar = 38,4km

12. Alcuéscar – Cáceres = 39,5km

13. Cáceres – Cañaveral = 45km

14. Cañaveral – Galisteo = 28,5km

15. Galisteo – Aldeanueva del Camino = 50km

16. Aldeanueva – Fueterroble = 42,6km

17. Fueterroble – San Pedro de Rozados = 29,6km

18. San Pedro – Salamanca = 25km

19. Salmanca – El cubo del vino = 35km

20. El Cubo – Zamora = 33km

21. Zamora – Granja de Mareruela = 40km

22. Granja – Tábara = 28km

23. Tábara – Santa Marta = 23km

24. Santa Marta – Moumbey = 36km

25. Moumbey – Puebla de Sanabria = 33km

26. Puebla – Padornelo = 23km (Não há Albergue e deve-se seguir até Lubián + 10km)

27. Lubián – La Gudiña = 32km

28. La Gudiña – Laza = 35km

29. Laza – Villar de Barrio = 22km

30. Villar – Ourense = 35km

31. Orense – Cea = 23km

32. Cea – Estación de Lalín = 33km (Não há Alberge e deve-se seguir até Laxa + 7km)

33. Laxa – Puente Ulla = 28km

34. Puente Ulla – Santiago = 21km

EQUIPAMENTOS & ACESSÓRIOS

Essa é a principal dúvida quando se inicia o planejamento para uma longa jornada. O que levar? O que realmente é necessário? Qual calçado devo levar?

Primeiro, precisa atentar-se em qual época e estação você fará sua aventura por qualquer caminho de peregrinação até Santiago e pesquisar sobre as dificuldades e tipo de terreno. Aqui vou explanar sobre minha experiência pelo Via de La Plata e o que levei comigo.

Por ser verão e com temperaturas altíssimas, tinha apenas 2 camisetas Dry Fit (que são de fácil lavagem e secagem). Duas calças/shorts. Uma anorak The North Face. Apesar de ser verão, a região da Galícia por ser montanha, tem temperaturas ‘frias’ pela manhã e pela noite. Também levei uma barraca, um kit com colchão de ar, rede para dormir (que usei para me cobrir algumas vezes) e uma garrafa térmica.

Usei um tênis para trilhas, com cravos bem salientes na sola, sendo ótimo para qualquer terreno a se enfrentar. Ele foi extremamente útil na Galícia, quando peguei alguns terrenos escorregadios com pedras e cascalhos.

E também tinha um pequeno kit de primeiros socorros e itens de higiene pessoal.

É importante frisar que o tipo de calçado e meias, são fundamentais para evitar o máximo bolhas e calos.

Ps¹: Se você optar por fazer qualquer caminho de Santiago no verão, recomendo usar tênis que permitem a respirabilidade dos pés e evite o suor excessivo. Opte por tênis leves e confortáveis.

Ps²: Não julgo necessário o uso de botas fechadas para fazer o caminho durante o verão. A escolha de um bom tênis é suficiente.

Ps³: Muitos peregrinos optam por levar sandálias e revezam no uso durante a jornada.

ANDALUSIA & EXTREMADURA

O Caminho de Santiago da Compostela é um dos destinos mais famosos no mundo para quem está em busca de uma viagem de peregrinação. | Foto: Fayson Merege/Arquivo Pessoal

O verão espanhol é absurdamente quente. Houve dias em que cheguei a caminhar com temperaturas entre 40 – 43 graus. Retas infinitas e monótonas, sem sombra alguma para se esconder do forte sol. É preciso iniciar a jornada antes das 6h da manhça para evitar o máximo de calor durante o dia, pois, passado das 9h, as temperaturas já ultrapassam os 30ºC.

São etapas duras que ninguém (ou poucos) peregrinos encaram durante o verão. Nas dez primeiras etapas, encontrei apenas 1 espanhol e 1 italiano fazendo a mesma peregrinação. Chegamos a ficar em 2 albergues juntos em cidades diferentes. Em Torremegia, no meu décimo dia de caminhada, encontrei um ‘velho’ alemão. Ficamos amigos e caminhamos juntos por 2 dias. Até ‘roubamos’ uvas em uma vinha de campo aberto em estradas rurais.

Eu olhei para ele e perguntei: ‘Será que essas uvas são boas?’

‘Vamos experimentar para saber’ – Disse ele

E sentamos em meio a terra para degustar as uvas enquanto ríamos de toda a situação.

Por ser muito quente nessa época do ano, os horários de comércio são diferentes. Esse é um fator muito importante a se considerar nesse caminho não tradicional no verão. Geralmente ficam aberto até no máximo 12h30 e só voltam a abrir por volta das 17h. Houve dias em que cheguei a caminhar 8h sem ver absolutamente ninguém. Era eu e minha companhia nas estradas rurais, pequenos bosques e plantações. O corpo é totalmente adaptável a qualquer situação que o colocamos a prova. Embora o calor demasiado e refeições de baixas calorias, manter o corpo equilibrado é o mais importante, fazendo hidratação com água e isotônico. Nas primeiras etapas, houve dias em que a média diária de água consumida era de 4 litros.

No meu caso, o mais difícil era equilibrar tudo o que levava e ter espaço suficiente para armazenar comida e água. Durante minha preparação para fazê-lo, me veio a ideia de gravar um documentário e escrever um livro, visto que há poucas informações em português sobre essa rota. Eu carregava comigo meu drone, uma gopro 5 e 7, a gopro fusion, minha câmera com duas lentes, tripé, barraca, colchão de achar, notebook e vários acessórios. As informações que consegui era que havia poucas opções de albergues para dormir, então, me preveni levando a barraca. Isso também me ajudaria a ter mais liberdade e fazer o caminho conforme meu tempo, deixando o feeling do dia a dia me guiar.

Vivi experiências enriquecedoras no caminho justamente pelo fato de estar livre de datas e ‘obrigações’ com calendário. Eu acordava, andava, parava e voltava a caminhar sem horário específico, apesar ter criado uma certa rotina. Cada dia era uma decisão diferente de como fazer cada etapa, principalmente se eu encontrava paisagens que renderiam fotos e vídeos com ângulos diferentes, mostrando uma outra perspectiva do caminho.

CASTILLA Y LEÓN

Como fotógrafo, procuro criar imagens para mostrar a beleza dos lugares e despertar o desejo de aventura em cada pessoa que as vê. Na foto abaixo, me arrisquei um pouco com o drone. Havia um pouco de vento, que permitia voar com certo cuidado. O ‘problema’ foi que ao estar com ele a 85 metros, o vento ficou mais forte e por alguns segundos foi difícil controlá-lo. Logo baixei para não correr risco, contudo, consegui 3 fotos e um pequeno vídeo que ilustram bem essa parte do caminho com a beleza da região de Zamora.

Imagem aérea da região de Zamora. | Foto: Fayson Merege/Arquivo Pessoal

No dia anterior, em Granja de Moreruela, a hospitaleira do albergue disse: ‘Não vá pela montanha ao lado do rio. Está perigoso e recomendamos ir pela rodovia’. Quando estava guardando o drone, o hospitaleiro de Tábara passara de carro na ponte. Parou e perguntou se eu era peregrino. Respondi que era e estava fazendo o caminho. E então ele disse: ‘Faça o caminho por aí (indicando as flechas ao lado do rio). É perigoso ir pela rodovia e um pecado não admirar a beleza desse rio com a montanha’. Senti confiança em suas palavras e fui. De fato, a trilha estava um pouco fechada pelo mato que já crescera e escondendo as sinalizações. Por outro lado, não tinha como se perder, havia apenas um único caminho e bastava segui-lo sem se desviar. O último acesso foi difícil. Uma subida íngreme até o topo da montanha para então ter a vista panorâmica de todo o cânion.

Foto: Fayson Merege/Arquivo Pessoal

Sem pressa alguma, me atramei por ali. Meu único arrependimento, foi não ter comida e água suficiente para acampar e passar a noite ali. Como não sabia quais surpresas o caminho iria mostrar, estava preparado para finalizar a etapa em Tábara. O que me restou foi curtir e desfrutar do momento enquanto pude. E assim é o caminho, viver cada momento com intensidade. E algo importante que ele nos ensina é sempre agradecer. Infelizmente nós temos o hábito de reclamar de tudo. E dia após dia, caminhando por terras espanholas, fui aprendendo a ser grato por cada mínimo acontecimento que a jornada iria me ensinando.

Voltei a caminhar após cerca de 50 minutos. Era preciso seguir, já passava das 14h e o mormaço estava fadigando. Doze quilômetros e 3h45 depois, eu chegara em Tábara. O hospitaleiro ao me ver chegando, recebeu-me com um sorriso no rosto e disse: ‘Eu tinha ou não razão?’

Na região de Castilla Y León já é possível ter mais contato com natureza, temperaturas mais amenas e ir sentindo os ares da Galícia. A partir da etapa 21ª, a dificuldade passa a ser por algumas trilhas em pedras e pequenas montanhas com subidas íngremes.

GALÍCIA

Anestesiado pela adrenalina de chegar na Galícia tomou conta logo quando acordei. Chegar nessa região era o momento ápice da minha peregrinação. Um sonho a ser realizado podendo caminhar e desbravá-la contornando montanhas. Às 8h45 eu chegava na fronteira entra os estados Castilla y Leon / Galícia (embora a Galícia seja um país não reconhecido). Eu sabia que esses últimos 7 dias para chegar até Santiago trariam as paisagens mais bonitas e as dificuldades aumentariam, de acordo com as subidas íngremes e prolongadas das mesmas. Além disso, as descidas tão acentuadas, iriam ferrar com o meu joelho. Liberdade misturada com aventura. Desafios emocionais deixados a cada etapa. Superação dia após dia. Não foi fácil. Aprendi tanto sobre hospitalidade, que não me sobra tempo para reclamar das dores no corpo. Aprendi tanto sobre solidariedade, que não me sobra tempo para murmurar. Aprendi tanto sobre motivação com outros ‘velhos’, que me fizeram olhar para minha juventude e pensar: Tenho muito a aprender. Sou apenas um ‘jovem peregrino’.

Foto: Fayson Merege

Peregrinando se aprende a conviver consigo mesmo. A superar dificuldades, as dores, o cansaço e o esgotamento mental. Se aprende arte e história, do passado e do presente. Conhecer outros peregrinos com histórias fantásticas, incríveis e surpreendentes. Você se abstém de alguns prazeres em busca de algo maior. Não existe “melhor ou pior época” para peregrinar. Cada qual apresenta suas dificuldades. Independentemente de qualquer circunstância adversa que possa acontecer, o caminho vai fazer aquela mágica para que sua experiência seja exatamente do jeito que você precisa.

Cada pessoa tem sua carga emocional. Seus problemas. Medos. Angústias. Frustrações. Desejos e sonhos. E eles estarão contigo em todo o momento durante a jornada. E mesmo que à sua volta só estejam a sua mochila, seus bastões, seu suor e suas dores (nos ombros e nos joelhos). Mesmo que seus gritos ou canções sejam ouvidos apenas por árvores, pedras ou pelo vento. Só você saberá o valor da conquista de cada etapa.

LEMBRE-SE: Cada pessoa vai te ensinar algo e aprender algo contigo.

O caminho é ao mesmo tempo Solitário & Solidário

Caminhar alguns quilômetros vai te ensinar muito mais do que os livros. Mudanças de cenários e paisagens te contam novas formas de enxergar a vida. Todos nós peregrinamos por algo e o valor não está no êxito do ‘mérito pessoal’, embora seja um grande feito a tão sonhada chegada à Santiago de Compostela. O verdadeiro valor estará em compartilhar lições que aprendemos durante todo o tempo de jornada! Era isso que o Apóstolo Tiago fazia ao jogar sua VIERA no mar:‘É uma forma de disponibilizar o conhecimento adquirido na peregrinação.’

O Caminho de Santiago nos oferece a oportunidade e as ferramentas necessárias para que consigamos cumprir um caminho ainda mais sagrado: o caminho para dentro de nós mesmos. É uma jornada que nos ajuda a encontrar respostas para nossas dúvidas, entendimento na condução de nossa vida e controle de nossos sentimentos, obsessões e pensamentos. Enfim, o Caminho te leva rumo ao seu propósito pleno.

Além de muitos peregrinos que encontramos na jornada, há sempre um local que nos para, puxa um ‘bocadinho de conversa’ e nos conta coisas de suas vidas locais. Foi assim com o ‘seu Pablo’. Na Etapa entre La Gudiña – Laza, encontrei-me com ele por um caminho entre pequenas vilas. Eu estava com a GoPro na mão fazendo alguns vídeos e paramos para conversar. Ele logo perguntou: ‘O que é isso pequeno com essa luz vermelha’ – Expliquei para ele que era uma câmera pequena e eu estava gravando um documentário. Ficamos conversando por uns 20 minutos. Ele perguntou várias coisas sobre o Brasil e até sobre a situação da Amazônia. E no fim, disse: ‘Político é tudo igual. Aqui na Espanha eles só nos roubam’.

Houve diversas situações como essa ao decorrer da peregrinação. Geralmente o encontro era com pessoas mais ‘idosas’ que sempre tinham um sorriso no rosto e diziam ‘Buen Camino’. Hora ou outra, algum puxava assunto e começa o questionário de perguntas. Algo que me chama muito a atenção, é observar a vida cotidiana e, aos poucos, fui pegando o hábito de tomar uma xícara de café nas cafeterias de cada vila (também para pegar o carimbo dos lugares). Houve pessoas que até pagaram coisas para mim, tamanha era a hospitalidade.

Algo que mais me marcou, foi uma família em Villar de Barros que ofereceu comida. Bem, um dos trechos do caminho estava bem mal sinalizado e eu acabei me perdendo. Andei por voltar de 8km a mais até encontrar as flechas amarelas novamente. Cheguei a essa vila extremamente cansado e esgotado. Sem água e comida, torcia para finalizar a etapa logo (12km mais) e encontrar uma fonte com água. Me sentei em frente a uma casa, que aparentemente não havia ninguém. Minutos depois saiu uma senhora (aparentava ter uns 70 anos) e me perguntou se eu precisava de algo. Eu respondi que apenas precisava de água.

Ela entrou em casa e me trouxe além da água gelada, uma cerveja, pão, queijo, salame e frutas. E ainda insistiu perguntando se eu precisava de algo a mais. Quando terminei de comer e arrumava minha mochila, ela ainda me trouxe uma aquarius limão para eu levar. Tudo parece ter uma sincronia. As paisagens variam entre bosques, pequenos afluentes de rios, estradas rurais pelo topo de montanhas e ruínas históricas. Sem contar as diversas vilas que se mantêm vivas ao decorrer dos anos com sua tradição aos peregrinos que por ali passam.

Foram 34 lições, agrupadas em cinco revelações: o Divino está presente, o corpo é frágil, relacionamentos são difíceis, maturidade requer aceitação e tristeza é como sujeira.

Esteja ciente de que você para realizar essa jornada, é preciso ‘perder para ganhar’. Haverá muitos momentos em que os conflitos internos te farão pensar e (re)pensar sobre tudo em sua vida.

Finalizo esse artigo, dizendo 3 coisas importantes:

Superação:

O Caminho de Santiago não é um passeio de final de semana.

Exige tempo, planejamento, cuidados e uma execução bem feita para que o objetivo de chegar à Catedral de Santiago de Compostela seja conquistado.

Bolhas, dores, cansaço e situações indesejáveis como frio, sol quente e chuvas são inevitáveis nessa jornada e isso deixa o Caminho mais desafiador.

Ao final, ter superado todos os desafios nos torna mais forte para os desafios do dia a dia.

Descobrir o sentido da palavra Essencial

Um dos maiores aprendizados do Caminho é que ele nos ensina a viver uma vida com o que é essencial.

Durante a peregrinação, percebemos isso quando incluímos na mochila coisas desnecessárias ou esquecemos de outras que são importantes no nosso dia a dia.

Assim como no Caminho, nossas escolhas afetam diretamente o que colocamos para dentro da nossa vida e isso faz a nossa caminhada ser mais desgastante, pesada e, às vezes, insuportável.

No caminho, assim como na vida, devemos levar o essencial, seja na mochila ou no coração.

Lembre-se que sorriso, carinho e leveza não pesam!

A sintonia entre as pessoas no Caminho de Santiago é incrível. A conexão entre os peregrinos é quase imediata e acontece com um simples e sorridente pronunciamento de um ‘Buen Camino’.

É possível sentir a leveza de cada um que cumpre sua jornada, como se fossemos presenteados por um momento de vida perfeita. Sendo leve e aberto ao outro, o caminho se mostra democrático, eliminando todas as diferenças sociais, étnicas e culturais.

Foto: Fayson Merege/Arquivo Pessoal

Eu poderia ter feito o caminho em mais ou menos dias. Poderia ter feito mais quilômetros entre etapas. Poderia ter dormido somente na barraca ou nos albergues. Poderia ter caminhado mais rápido e descansado menos. Poderia…

Contudo, julgo ter feito no tempo exatamente necessário ao qual o caminho me propôs. Fui de peito aberto deixando cada dia fluir em sua essência.

*CONTINUAÇÃO DO CAMINHO JACOBEO*

Muitos peregrinos decidem continuar a peregrinação por mais dois pontos importantes da história do caminho. Saindo de Santiago e ir até o ‘FIM DO MUNDO’.

Os peregrinos acreditavam que chegando até Muxía, teriam seus pecados perdoados, pois foi lá que o Apóstolo Tiago teve seu ‘encontro’ com a Virxe María.

Foto: Fayson Merege/Arquivo Pessoal

De Muxía a Fisterra, o caminho pela costa é conhecido como ‘Costa da Morte’. São 53km contornando as enseadas e precipícios, tendo sempre ao lado o oceano. Em muitas partes, o caminho é extremamente difícil.

Foto: Fayson Merege/Arquivo Pessoal

Segundo a história, chegar a Fisterra era chegar ao ‘Fim do mundo’. Pois, ali acreditavam ser o último pedaço de terra existente e onde o mar tinha seu início. Para o Apóstolo, todos deveriam jogar a sua COMPOSTELA (a concha) ao mar para compartilhar toda a experiência da peregrinação.

Assim sendo, ao morrerem, teriam suas almas levadas diretamente ao céu.

Foto: Fayson Merege/Arquivo Pessoal

Ao todo, o meu caminho teve 1150km, sendo: Sevilla – Santiago 1007km + Santiago – Muxía 90km + Muxía – Fisterra 53km.”

Moeses Fiamoncini continua em sua busca pela conquista das 14 montanhas com mais de oito mil metros de altitude. Na última semana, no entanto, o montanhista sofreu um acidente quando estava prestes a conquistar o cume do Dhaulagiri, a sétima montanha mais alta do mundo. Ele passa bem, mas teve que desistir da montanha para não correr o risco de morte expondo-se a condições climáticas extremas com o corpo debilitado.

Moeses Fiamoncini no Nanga Parbat. | Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Moeses, essa foi uma das escaladas mais difíceis da sua vida, em uma montanha muito perigosa. Ele explicou os detalhes da expedição e também nos contou o que provocou o acidente e como foi a decisão de desistir do cume, mesmo estando a apenas 47 metros de alcançar o topo do Dhaulagiri.

Assim como fez em outras escaladas pelo Himalaia, Moeses optou por um ciclo de aclimatação curto e uma tentativa rápida de ascensão sem a utilização de oxigênio suplementar. O processo estava seguindo os padrões de suas experiências anteriores. Por ter vindo de outras escaladas recentes em grande altitude (com a conquista do Everest, K2 e Nanga Parbat) ele precisou de pouco tempo na montanha para se aclimatar ao ar rarefeito. Logo que chegou ao campo base, Moeses e seus companheiros já passaram ao Campo 1, onde dormiram uma noite, e depois ao Campo 2, por mais duas noites. Com isso, ele explica que já estava confortável para tentar o ataque ao cume.

Quando perguntamos a ele qual foi a maior dificuldade da expedição, ele explicou que foi a quantidade de neve e umidade durante todos os dias em que estiveram na montanha. “O Dhaulagiri é conhecido por ser um monte com muita neve. Nessa temporada não foi diferente. E o que realmente foi diferente nessa montanha em relação às demais, foi o clima. Mesmo quando estávamos no Campo Base, a 4.600 metros, sempre estava nublado. Os equipamentos ficavam sempre molhados. Tivemos pouquíssimos momentos de sol e assim foi também no dia de cume, com muito vento e muita neve”, explicou.

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Moeses considerou o Dhaulagiri a montanha mais difícil da sua vida. | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

Mesmo com todas as dificuldades, tudo estava indo conforme o planejado, até que a poucos metros do cume, enquanto escalava uma parede de rocha coberta por deve em uma altitude média de 8.100 metros. “Eu caí quando estava tentando escalar essa parede de rocha, que neste momento está carregada de neve. Algumas partes estavam bem profundas, então, eu consegui escalar com o ‘piolet, mas chegou uma parte que eu tive que fazer uma travessia e nessa travessia tinha pouca neve cobrindo a rocha. Eu acabei deslizando nessa parede, devido à falta de neve e gelo, e caí por aproximadamente 20 metros”, lembra.

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Local onde Moeses sofreu o acidente. | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

“Esse momento chegou de surpresa e só quando eu parei de cair, que eu fui tomar consciência do que tinha acontecido. Quando eu tomei consciência de que tinha caído, a única coisa que eu pensava era em esquentar as minhas mãos, porque elas quase congelaram e eu estava com uma dor insuportável.” Durante a queda, Moeses destaca que acabou entrando neve em seu down suit, luvas e botas. Estar molhado no alto da montanha, a -27ºC é como assinar a sentença de morte. Por isso, mesmo tão perto do cume, Moeses acabou tendo que tomar a difícil decisão de voltar ao acampamento 3, para se aquecer e evitar problemas maiores de congelamento.

O montanhista informou que foram necessárias 9 horas de caminhada desde o local do acidente até que ele chegasse ao campo 3. No caminho ele se perdeu e somente três dias depois conseguiu chegar ao campo base, onde foi resgatado de helicóptero e levado ao hospital em Khatmandu. Apesar de ter tido “frost bite” nível um nos pés e nas mãos, Moeses já está se recuperando bem e, inclusive, pretende embarcar em mais uma escalada nas próximas semanas. A ideia é subir o Ama Dablam, com 6.812 metros de altitude, junto com a Karina Oliani.

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Moeses recebendo tratamento no hospital em Khatmandu. | Foto: Moeses Fiamoncini/Arquivo Pessoal

Existe uma série de estudos que avaliam os impactos que o contato com a natureza exerce sobre os seres humanos. Já está comprovado que o verde ajuda a diminuir o estresse, a pressão sanguínea, combate a depressão e muito mais. Com base nessas informações, um grupo de cientistas finlandeses fez um experimento para entender se os parques localizados em áreas urbanas também têm o mesmo poder. A resposta foi: sim.

A experiência foi realizada com a participação de 95 voluntários, com idade entre 30 e 60 anos. Durante o período de um mês, os integrantes do estudo tiveram que incluir na rotina três visitas por semana a três parques urbanos de Helsink, Finlândia, sempre após o horário de trabalho. Antes de chegar nos parques, eles preenchiam um questionário falando sobre questões físicas e emocionais, bem como a medição da pressão arterial, e retornavam às questões durante e após os passeios.

Os especialistas coletaram todos os dados durante o período do experimento e fizeram comparativos individuais para entender como cada integrante reagia aos estímulos e contato com a natureza. A equipe também comparou as informações com outros estudos semelhantes realizados anteriormente.

Como os participantes eram divididos em grupos de acordo com o contato e com a familiaridade que eles já tinham com a natureza o resultado também foi diferente para cada grupo. Já era esperado, por exemplo, que as pessoas que visitam áreas verdes frequentemente se beneficiassem mais do estímulo, mas os pesquisadores identificaram mudanças psicológicas representativas mesmo nas pessoas que se consideram mais urbanas.

Neste estudo, os cientistas não registraram mudanças expressivas na pressão sanguínea, mas perceberam melhorias comportamentais importantes como a sensação de recuperação física e psicológica, além da melhoria na percepção de vitalidade. Com os resultados do estudo e os depoimentos dos participantes, os pesquisadores concluíram que, mesmo os parques localizados dentro das cidades, que possuem áreas menores, podem ter efeitos positivos diretos na saúde e também nas atividades sociais da população. Não é necessário se deslocar até grandes áreas verdes para sentir os benefícios do contato com a natureza.

Os pesquisadores também aproveitam a experiência para alertar as autoridades municipais sobre a importância de oferecer espaços naturais nas cidades. Com um acesso mais fácil e estimulando as pessoas a visitarem os parques, seria possível promover mais qualidade de vida, melhorias no desempenho de trabalho, no humor, redução do estresse, entre outras coisas.

Clique aqui para acessar o estudo completo.

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O Central Park, em NY, é um dos parques urbanos mais famosos do mundo. | Foto: Jermaine Ee/Unsplash- Creative Commons

Há pessoas que nascem para fazer história, Jaqueline Mourão é uma delas. A atleta, com 43 anos de idade, acumula marcos em sua trajetória esportiva. São seis participações em Olímpiadas: Atenas 2004 (ciclismo), Turim 2006 (ski cross country), Pequim 2008 (ciclismo), Vancouver 2010 (ski cross country), Sochi 2014 (ski cross country e biathlon) e PyeongChang 2018 (ski cross country).

Nos períodos fora da neve, Jaqueline brilha no Mountain Bike – modalidade na qual conquistou a sua primeira medalha de bronze em Jogos Pan Americanos, neste ano, em Lima, Peru.

Já no universo dos esportes de neve, Jaque Mourão não apenas acumula recordes, como também é a melhor atleta que o Brasil já teve no Ski Cross Country. A atleta conta que seu primeiro contato com a modalidade foi totalmente inesperado, durante uma tempestade de neve em Quebec em maio de 2005.

“Eu estava competindo Mountain Bike na América do Norte, cheguei em Quebec e caiu uma tempestade de neve. Ficou tudo branco, não podia pedalar. Fiquei meio desesperada porque tinha que treinar na bike e finalmente meu marido falou: ‘olha, essa neve vai embora daqui dois dias, mas se você quiser treinar eu posso te levar para fazer Cross Country Ski’”, relembra.

Logo de cara, Jaque se apaixonou pela modalidade. Para ela, todo o contato com a natureza que ocorre durante a prática esportiva foi o que mais a encantou. “O silêncio, a paisagem… Aquilo tudo mexeu comigo e eu achei muito interessante. E a partir daí eu fui descobrir que existe a CBDN – Confederação Brasileira de Desportos na Neve. Mandei um e-mail e o Stefano [então presidente da Confederação] me respondeu. E foi assim que tudo começou”, conta.

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Há pessoas que nascem para fazer história, Jaqueline Mourão é uma delas. | Foto: CBDN/Divulgação

A trajetória de Jaque nos esportes de inverno

Desde a tempestade de neve que encarou em 2005, muita coisa mudou na relação de Jaque com o Ski Cross Country. Dona de todos os recordes brasileiros na modalidade, a atleta acumula resultados históricos. Neste ano, por exemplo, ela conquistou uma medalha de prata em prova qualificatória do Mundial de Seefeld.

Além dos resultados expressivos, Jaqueline acumula histórias das suas quatro participações em Jogos de Inverno. “Me sinto muito honrada em poder defender a bandeira brasileira. Claro que cada Olimpíada teve sua história. Eu falo que eu tenho muita história para contar, mas que tudo valeu a pena. Às vezes, as pessoas veem só os resultados finais, as conquistas. Mas tem muita luta, muita dedicação, 100% foco nisso, muitos anos de treinamento”, diz.

Segundo a atleta, foram muitas as dificuldades ao longo do processo de ser uma “atleta esquiadora em um país que não tem neve”. Porém, ela conclui que “valeu a pena seguir os sonhos, correr atrás e conquistar cada resultado. É isso, vale a pena sonhar, independente das barreiras que vêm pela frente”.

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Jaque Mourão não apenas acumula recordes, como também é a melhor atleta que o Brasil já teve no Ski Cross Country. | Foto: CBDN/Divulgação

A vocação para o esporte: vida de poliatleta

Desde 2008, o esporte de neve é a prioridade na carreira de Jaque Mourão. Entretanto, como mostra o resultado dos Jogos Pan Americanos, ela transita muito bem entre os seus esportes. A atleta ressalva a importância de fazer bem o período de transição para conciliar diferentes modalidades em alto rendimento.

Além do MTB e Cross Country, a atleta possui passagens pela Natação, Ginástica Artística, Atletismo e Biathlon de Inverno. Vale ressaltar que, no Biathlon, Jaque também fez história, sendo a primeira e única atleta a representar o Brasil em Jogos de Inverno.

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Dona de todos os recordes brasileiros na modalidade, a atleta acumula resultados históricos.

Profissão: mãe-atleta!

Além de ser a atleta mais olímpica do Brasil, Jaque Mourão é mãe de dois filhos, Ian e Jade. Conciliar a maternidade com a sua carreira esportiva já é parte da rotina e ela afirma que é preciso ter muito jogo de cintura e planejamento para dar conta. Entretanto, ao contrário do que o senso comum pode esperar, para ela, o nascimento dos seus filhos colaborou ainda mais em sua trajetória como atleta:

“Eles me apoiam e eu fico muito feliz de chegar em casa e poder também focar em outra coisa. Eles preencheram minha vida com muita alegria. Preencher a minha vida de uma maneira geral foi muito bom até mesmo para a minha carreira, porque eu era uma atleta muito focada, muito bitolada. Eles trouxeram essa alegria, essa leveza, esse outro lado que me faz esquecer de tudo e agradecer a Deus que eles estão na minha vida”, conclui.

Texto escrito por Shayene Metri para a Confederação Brasileira de Desportos na Neve.

Adriano Pina Pereira e Beatriz Warmling Pereira são pai e filha, mas também são parceiros inseparáveis de escalada. Ele começou a escalar na década de 90, como consequência natural de suas viagens e acampamentos, que já eram cheias de aventura. Quando a filha nasceu, não levou muito tempo para que o amor pelo esporte passasse para a nova geração da família. Os primeiros contatos da Beatriz com a escalada aconteceram em 2012, quando o pai comprou a primeira cadeirinha dela. Desde então, não parou mais. Os dois escalam todas as semanas e já desbravaram vias em Santa Catarina (estado em que vivem), Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Argentina e Tailândia.

Eles ainda têm muitos planos pela frente, mas já colecionam uma série de histórias legais para contar. Uma das experiências que mais marcou essa dupla aconteceu quando Beatriz, aos 12 anos de idade, encadenou a via Cemitério de Gatos, na Pedreira do Abraão, em Florianópolis. Além de ser uma via clássica, a Cemitério de Gatos tem um grau de dificuldade maior por sua exposição. Mas, isso não foi empecilho que parasse a pequena Beatriz.

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Pai e filha escalando na Tailândia. Foto: Adriano Pina/Arquivo Pessoal

Todos os detalhes dessa aventura foram contados por Adriano em um depoimento muito legal, que nós trazemos na íntegra aqui:  

“A via Cemitério de Gatos (7b) foi conquistada pela primeira vez no final dos anos 80 pelo escalador Bito Meyer e é de longe a mais conhecida da Pedreira do Abraão e uma das clássicas de Florianópolis.

Depois de encadenar a Clarinha Quer Dançar Reggae (7a) a Beatriz me perguntou qual seria o próximo projeto dela na Pedreira. Eu falei que uma opção seria a Cemitério de Gatos, mas que era uma via bem mais exposta e difícil de guiar.

No início de 2018 ela começou a entrar na via em top, mas somente no final do ano entrou com mais determinação. Quando conseguiu passar o esticão sem queda, eu vi que era possível ela mandar, mas em top, eu mesmo não estava preparado para vê-la guiando (quem conhece a Cemitério entende perfeitamente).

Em 2019 íamos pelo menos duas vezes por mês até lá para ela malhar a via. Um dia eu prometi que daria uma sapatilha nova para ela, uma Miura (mesmo modelo da minha), se chegasse até o topo. Foi dito e feito, na mesma semana ela chegou no fim da via e ganhou a sapatilha.

Pedreira do Abraão. | Foto: Climbing Floripa

Somente em 15 de junho ela conseguiu “entopizar” (mandar a via de top sem queda), mas ainda como muita dificuldade em um ponto da via. A partir daí já começamos a conversar sobre ela entrar guiando. Principalmente no caminho de volta do colégio, a Cemitério era sempre o principal assunto.

Um dia eu falei: “já pensou fazer a cadena da Cemitério antes dos 13 anos?”. Ela me olhou e perguntou se eu achava possível, disse que sim, mas que teria pouco tempo para se preparar.

No final de julho combinamos que ela iria treinar mais umas vezes para poder entrar guiando. Mas, logo em seguida veio uma gripe medonha que derrubou a pequena por uns 15 dias. O aniversário estava se aproximando e o tempo estava acabando.

No último domingo antes do aniversário ela entrou em top e isolou o lance mais difícil da via várias vezes até ter certeza que conseguiria mandar guiando. Acertamos que ela iria tentar a cadena na quinta-feira.

Finalmente chegou o dia de entrar guiando na via. Combinei com um amigo que ele iria lá para documentar a escalada. Chegando na base da via, ele já estava com seu equipamento pronto (parecia que iria documentar para BBC). Eu entrei, equipei, coloquei uma fita longa no esticão (sem isso o conselho tutelar poderia me prender) e desci. A Beatriz colocou os equipamentos, a sapatilha e se encordou. Tudo pronto, câmeras ligadas, drone voando e ela começou a escalar.

O começo da Cemitério é bem tenso, tem um lance pela direita, passando pela dinamite, e uma montada em uma rampa que é bem assustadora. Depois de costurar a 3° chapa vem o famoso esticão, onde, mesmo com uma fita longa, o potencial de queda ainda é muito grande. Depois você monta em um bico e vai para o lance mais difícil da via, aquele que ela tinha tido mais dificuldade. A Beatriz entrou confiante, chegou bem, fez a troca de mão correta e subiu o pé esquerdo, mas, em um descuido, se desequilibrou e caiu. Eu quase chorei, lá em cima ela se debatia (parecia o Chaves) pendurada na corda, dava para ver que estava muito frustrada. Disse para voltar e tentar mais uma vez, mesmo que sem a cadena ela deveria mandar o lance. Na 2° entrada conseguiu mandar e chegar no fim da via.

Quando desceu estava muito desanimada e triste (não lembro de ter visto ela assim escalando), a frustração era enorme. Ela sabia que poderia ter mandado a via, foi por um detalhe. Ainda disse para tentar mais uma vez, mas não tinha como, além ser uma via longa e cansativa o desânimo era grande.

Frustração pós-queda. | Foto: Adriano Pina/Arquivo Pessoal

Voltamos para casa e a ideia de mandar a Cemitério antes dos 13 anos parecia improvável, na sexta ela tinha aula e sábado a previsão do tempo não era muito boa, além da festa de aniversário com os amigos. Eu ainda sugeri (como pai responsável que sou) que ela faltasse a aula na sexta. Como ela tinha uma prova que não precisava de nota, não teria problema faltar, mas não deu certo. Acabou indo à aula e combinamos de tentar na sexta a tarde. De manhã soube que a pedreira estava fechada para o treino de Bombeiros. Cada vez mais improvável…

Ainda tínhamos uma chance, seria no sábado, parecia que só ia chover durante a tarde. Chegamos na Pedreira às 9h15. Eu subi, equipei a via e deixei tudo pronto.

Ela entrou na via, vi que estava mais confiante do que na quinta. Passou todos os lances com certa facilidade. Eu não respirava direito, o coração batia descompensado. Finalmente chegou no lance que tinha caído na quinta, se posicionou, subiu o pé esquerdo e montou. Quando estava quase pegando no batente salvador, deu uma desequilibrada, ali pensei que iria cair novamente, grudou na pedra, deu mais um impulso e pegou. Embaixo, eu estava com a boca seca, respiração ofegante e coração disparado. Tinha uma galera incentivando ela a mandar o lance, foi bonito de ver. Esperou mais um pouco, parou para colocar o magnésio e finalmente subiu no platô. A via estava conquistada, ali ela não cai mais, faltava somente costurar na parada. Foi só costurar e pular de felicidade.

A Cemitério de Gatos estava encadenada, com apenas 12 anos. No dia seguinte, 1 de setembro, ela fez 13 anos e a vida segue.

Alegria após a conquista. | Foto: Adriano Pina/Arquivo Pessoas

 

Para quem não está acostumado com expedições de alta montanha, pode soar muito estranho ouvir o relato de alguém dizendo que passou a noite abrigado apenas em uma cova na neve. A Luciana Nogueira teve essa experiência recentemente e foi surpreendida pelo fato de que, com os equipamentos corretos, é possível passar uma noite muito confortável mesmo em temperaturas extremas.

Ela nos mandou o relato dessa aventura e nós compartilhamos essa história na íntegra:

“No final de julho/2019, fui convidada pelo amigo Carlos Moura, da Mantiqueira Expedições, a fazer um curso de Montanhismo Invernal nas montanhas geladas do sul do Chile, pela Rutas Australes, uma empresa do instrutor e guia UIAGM, o chileno Nicolás Palma. Como cereja do bolo e da aventura chilena subiríamos o vulcão Llaima, lindíssimo, com 3200m, no Parque Nacional de Conguillo. Como estou iniciando na alta montanha e já com agenda certa para fazer o Cotopaxi e o Chimborazzo em alguns meses, super topei. 

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Vulcão Llaima. | Foto: Luciana Nogueira/Arquivo Pessoal

Aprender técnicas de como caminhar no gelo, pernoitar em covas de neve, usar equipamentos específicos e que não me são comuns no montanhismo sem neve e abaixo dos 3 mil metros, descobrir como fazer uma ancoragem na neve, entender de nivologia e não me desesperar se for pega por uma tempestade que me impeça de seguir os planos por algumas horas me pareceram ideias incríveis. Levei equipamentos meus e aluguei outros mais específicos, como grampões, raquetas de neve e uma boa bota dupla. Tenho pavor de ter os pés gelados e no início de julho havia passado uma experiência de muito frio na travessia do Rancho Caído, no Parque Nacional de Itatiaia. Pernoite de temperatura negativa, um saco de dormir meia bomba (temperatura extrema -2°C ) e meias pouco adequadas tornaram a minha noite bem ruim. .

As montanhas do Chile são perfeitas para cursos de montanhismo em locais nevados. | Foto: Luciana Nogueira/Arquivo Pessoal

E aí veio a preocupação hard mega power: eu não havia alugado um saco de dormir e o meu, definitivamente, não me serviria. A informação era de tempo bem gelado, muito vento e neve full time, com temperatura em torno de -10°C no local de pernoite. Recorri ao amigo Marcelo Crux, super experiente e que certamente iria me salvar. Ele me emprestou um saco de dormir, descobri depois, perfeito! Era o Thundra, da The North Face. Lembro do Marcelo brincar comigo “você vai sentir calor dentro dele”. No dia em que dormimos na cova de neve, acima dos 2.000m, o tempo estava bem ruim. Havia chovido muito no dia anterior e nevava muito na hora. Cavamos a cova em neve muito fofa, com vento gelado e forte e eu estava meio descrente de que dormir dentro de um buraco que cavei na neve seria algo fácil. Dentro da cova, a temperatura era bem menos ruim por não haver vento e estarmos protegidos da neve, que não deu trégua. Mas estava bastante frio. Isolantes duplos ajeitados, saco estendido e fui para a minha primeira noite em alta montanha, dormindo de um jeito bem raiz. E me surpreendi por passar uma noite confortavelmente aquecida dentro do Thundra. Eu, aliás, senti calor e cheguei a tirar as luvas durante a noite. Pés aquecidos o tempo todo nas meias de lã merino. 

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Primeira noite dormindo em uma cova na neve. | Foto: Luciana Nogueira/Arquivo Pessoal

Pela manhã, soube que alguns colegas tiveram pequenas dificuldades por causa da noite gelada e do mau aquecimento. Nevou tanto, que a entrada da cova ficou completamente fechada, só não obstruindo tudo pq havíamos deixado os bastões cruzados para gerar uma entrada de ar. E ali percebi a importância crucial de estar bem equipada para não permitir que a diversão se transforme em pesadelo. Todas as demais noites foram tranquilas, com pés e mãos aquecidos e sono garantido. O tempo melhorou apenas no último dia e nos brindou com uma subida ao cume cercados pelo céu azul, neve branquinha e sol, que nasceu de forma espetacular. A primeira coisa que fiz quando voltei ao Brasil foi falar pro Marcelo ‘estou apaixonada pelo seu saco de dormir!’.  Que venha o Chimborazzo e o Cotapaxi! Com o Thundra, claro.”

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Integrantes da expedição cavando o refúgio na neve. | Foto: Luciana Nogueira/Divulgação

Ps: O saco de dormir Thundra não é mais comercializado pela The North Face. No entanto, modelos similares como o Inferno, Aleutian e Green Kazoo também foram desenvolvidos para suportarem temperaturas extremas e oferecerem o máximo de conforto térmico em aventuras de alta montanha.

O Monte Everest é uma das montanhas mais famosas do mundo, mas ultimamente tem sido destaque devido às toneladas de resíduos sólidos e dejetos humanos encontrados no local. A cada ano, aumenta mais o número de visitantes na montanha. Em 2018 cerca de 57.000 trekkers passaram pelo Everest. Devido à alta incidência de pessoas, o lixo tem se tornado um problema. Para se ter ideia, em 2017, alpinistas recuperaram cerca de 25 toneladas de resíduos sólidos. Em 2019, uma expedição de limpeza organizada pelo Nepal recolheu por mais 11 toneladas de lixo e quatro corpos.

Para conscientizar a população mundial sobre o atual cenário do lixo no Monte Everest, a influenciadora digital Mariana Britto convidou o empresário Caio Queiroz – que está há mais de 20 anos trabalhando com sustentabilidade e educação ambiental e é fundador da Mídia Sustentável – para registrar em forma de documentário os aspectos ambientais inerentes à trilha. “Eu tive a sorte de contar com o apoio do Caio Queiroz e a viagem acabou se tornando um projeto. A Mídia Sustentável veio com o propósito maior ainda: registrar em formato de série/documental os aspectos e impactos ambientais da trilha do Base Camp do Everest. Os amigos acompanharão de perto as gravações que, sem dúvidas, levarão muita alegria e força para concretizar o projeto”, conta Mariana Britto. “O nosso principal objetivo é realizar uma aventura para promover o consumo consciente e o descarte adequado de resíduos durante toda a viagem, caracterizada por um meio ambiente frágil e com grande número de turistas o ano todo”, completa Caio.

O documentário será exibido online e off-line, o veículo de exibição está sendo negociado e em breve será anunciado. Ele contará com imagens nunca exibidas dos resíduos largados na trilha, além de entrevistas com os responsáveis da coleta de lixo na montanha e pessoas que fazem a diferença nessa região tão inóspita. “Vamos vivenciar cada etapa da viagem com o mínimo de impacto ambiental possível, ajudando a promover a sustentabilidade e a busca por ações que colaborem com a melhoria da região. Dessa forma, pretendemos deixar um legado de educação ambiental e um manual de práticas mais responsáveis na montanha, para os futuros exploradores interessados no turismo local do Nepal e arredores”, acrescenta Caio Queiroz.

Para a Mariana Britto, o problema no Everest ainda é difícil de ser resolvido pelas características geográficas da região, que torna inviável a coleta desses resíduos em alguns trechos da trilha. “Por esse motivo, é muito importante realizarmos ações de conscientização, para evitar que os turistas esportivos deixem mais lixo para trás, poluindo cada vez mais as trilhas da montanha”, alerta.

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Foto:
Toomas Tartes/Unsplash – Creative Commons

Cronograma

A equipe vai iniciar a expedição no dia 14 de outubro de 2019 e a viagem terá duração de 20 dias. “Vamos percorrer 90 km e 13 trilhas, na presença de um guia experiente e cinco amigos aventureiros”, explica Queiroz. O trajeto terá como ponto inicial Lukla, com destino ao Base Camp do Everest, considerada a trilha mais alta e mais difícil do planeta.

Além da influenciadora digital Mariana Britto e do especialista em sustentabilidade e educação ambiental Caio Queiroz, o grupo que vai para o Base Camp no Everest conta com Carlos Santalena – montanhista que já alcançou três vezes o topo do mundo – e o cinegrafista Gabriel Tarso, além de outros participantes. No total, a viagem será realizada por uma equipe de 9 pessoas.

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Foto:
Sebastian Pena Lambarri/Unsplash – Creative Commons

Inteligência Artificial

Com o investimento de R$ 150 mil na expedição e no documentário/manual, a ideia é divulgar o material para agências que exploram região, além das mídias sociais. “Nosso objetivo também é chamar a atenção de empresas do setor de sustentabilidade e reciclagem para que abracem a causa e invistam na estrutura para controlar o lixo”, salienta Queiroz.

“Estamos trabalhando para realizarmos uma expedição incrível e com um material de qualidade. Tenho como expectativa que o documentário seja exibido e que cause um impacto positivo nas pessoas. Esperamos despertar uma consciência ambiental em cada um que for impactado pela nossa ação para que, dessa forma, consigamos promover uma melhoria em nossa qualidade de vida e das futuras gerações”, aponta Mariana Britto.

Depois disso, pensando também na melhoria das pessoas que querem visitar e escalar a montanha, a dupla irá desenvolver uma ferramenta de inteligência artificial denominada BOT para dar suporte aos montanhistas. “A ideia é facilitar a caminhada daqueles que desejam subir a montanha, mas ainda apresentam dúvidas. A AI é uma forma fácil e moderna de auxiliar quem deseja, em qualquer momento”, finaliza Queiroz.

A capital catarinense comemorou o Global Climbing Day em grande estilo. Através de um desafio organizado pela Associação Catarinense de Escalada e Montanhismo, os escaladores locais foram instigados a juntar duplas e somarem esforços para escalar 1.000 metros de vias em um prazo de 24 horas.

O idealizador do evento, Adriano Pina, que também é conselheiro na Associação, nos enviou um relato detalhado e muito legal do que rolou no evento. Confira tudo no depoimento abaixo:

“Florianópolis recebeu recentemente o I Desafio BIG 1000, um projeto que tinha como objetivo escalar 1.000 metros de vias em 24 horas, em diversos setores da cidade. No total, 13 duplas de diversas cidades catarinense se inscreveram para participar da ação.

O Desafio foi promovido pela ACEMAssociação Catarinenses de Escalada e Montanhismo, com uma ideia proveniente de outros eventos similares que já aconteceram no Brasil, como o BIG 1000 do Anhangava, Paraná. Diferente do evento paranaense, em Floripa a proposta foi muito mais ousada, pois envolvia vários setores espalhados por toda a Ilha e o Continente.

As regras propostas foram simples: pelo menos um escalador da dupla deveria guiar a via (não era permitido ajuda externa), a dupla deveria escalar toda a via e a última via deveria ser escalada na Pedreira do Abraão, setor localizado no continente. O mais importante é que valeria a palavra da dupla, em relação às vias escaladas, pois não se tratava de uma competição, mas sim de um desafio.

Antes mesmo da largada, a equipe local já teve muito trabalho. Primeiro porque foi preciso conferir a extensão das vias e também porque os organizadores precisaram assegurar as condições das proteções de alguns setores. Isso foi possível graças a um guia online que apresenta informações e croquis de praticamente todos setores da região (que pode ser acessado aqui)

Durante os meses de junho e agosto, vários escaladores se propuseram a medir as vias, sinalizar as trilhas e verificar as proteções. Um esforço em conjunto imprescindível para que o projeto fosse adiante.

Dentre as principais dificuldades apresentadas para o desafio estavam as distâncias entre os setores. Para sair do Santinho, no Norte da Ilha, e chegar na Barra da Lagoa é necessário percorrer 23km, além de uma trilha de 40 minutos, por exemplo. Além disso, o tamanho das vias não é grande – a maior delas, conhecida como Tardes de Outono, na Barra da Lagoa, tem apenas 94 metros. Dessa forma, para cumprir o desafio seriam necessárias dezenas de vias.

No sábado, dia 24 de agosto, precisamente às 9h da manhã, 26 escaladores estavam espalhados por diversos setores da cidade. Somente no setor da Praia dos Ingleses 7 duplas se preparavam para iniciar o desafio. Em poucos minutos, centenas de metros de cordas coloridas estavam espalhados pela rocha e os escaladores desafiando seus limites.

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Duplas escalando na manhã de sábado. | Foto: Adriano Pina/Arquivo Pessoal

Foram escaladas vias com proteções fixas e móveis, expostas e bem protegidas, de graduação que ia do IV até o VIIa. Quem via de longe não entendia o que aquele bando demalucosestava fazendo pendurados na pedra.

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Encontro de duplas na parede. | Foto: Rodrigo Castelan Carlson/Arquivo Pessoal

Os rapeis se misturavam com os guias de outras cordadas, dividir as paradas com outras cordadas se tornou um hábito. Mas, o mais surpreendente foi isso ter sido exatamente o que tornou a corrida maluca tão incrível: companheirismo e muito respeito, vias à vista, muitas risadas, motivação coletiva e energia boa’, Sarah Cantarino.

A motivação das duplas era contagiante, nas mídias sociais da @acem_floripa eram publicados, em tempo real, fotos e vídeos das duplas mostrando os setores e vias em que estavam.

A beleza da cidade também fez toda diferença. Escalar nos Ingleses, Santinho e Barra da Lagoa por si é uma experiência única, durante o desafio esses destinos se mostraram ainda mais bonitos.

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Heitor rapelando com a belíssima praia do Santinho ao fundo. | Foto: Adriano Pina/Arquivo Pessoal

Escalar à noite talvez tenha sido o maior complicador. Com um desafio tão grande, seria praticamente impossível cumprir a meta somente com a luz do sol. Tiveram duplas que viraram a madrugada escalando, muitas vezes vias desconhecidas, com aderência e longas proteções.

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Jomi Hübner na escuridão do setor do Santinho. | Foto: Éden Alves/Arquivo Pessoal

‘Escalar a noite foi ao mesmo tempo assustador e espetacular. Assustador pois aumentou em muito a dificuldade, principalmente nas vias mais expostas. Espetacular pois a noite estava incrivelmente estrelada. Muitas vezes apagava a lanterna durante a segue para admirar o céu’, Éden Alves.

Ao final, o desafio se mostrou mais difícil do que se esperava, das 13 duplas que começaram, somente três conseguiram atingir os 1000 metros de vias escaladas. No total, foram escalados incríveis 18.002 metros em 24 horas (será que tem esse recorde no Guinness?), em 5 setores da cidade: Ingleses, Santinho, Barra da Lagoa I e II, Ponta do Rapá e Pedreira.

‘O Big 1000 foi um evento incrível! Rever amigos e parceiros de escalada, cada equipe com sua estratégia de deslocamento entre setores e técnicas de subida e descida. Parabéns aos envolvidos na ideia e elaboração do desafio. Que venham os próximos’, Thiago Meister.

Às 9h da manhã do domingo (25), todos os participantes se encontraram na Pedreira do Abraão para escalar as últimas vias, participar do enceramento do evento e de um café de confraternização.

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Confraternização ao final do Desafio. | Foto: Edson Farias Jr./Arquivo Pessoal

Para 2020 a ideia é incluir no desafio também o BIG500 para tornar o evento ainda mais acessível e mostrar que Florianópolis é também um lugar incrível para a prática da escalada.”

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As duplas na premiação. | Foto: Beto Figueiredo/Arquivo Pessoal

 

Existe uma expressão muito comum entre os montanhistas que se aventuram nas montanhas de altitude: “Hiking High, Sleep Low”. Na prática isso significa: caminhar em grande altitude e dormir em baixa altitude. Essa é uma estratégia de aclimação muito eficiente. Segundo o guia de montanha, Eduardo Sartor, este é um estilo de aclimatação muito bem aceito pela fisiologia individual de quase todos os montanhistas. Aplicar essa estratégia é um jeito eficiente de adaptar o corpo e responder melhor aos efeitos da altitude.

Eduardo explica como o “Hiking High, Sleep Low” funciona na prática: “colocar o corpo exposto à altitude durante as caminhadas força uma adaptação. Para se recuperar deste esforço, voltando para dormir em altitude mais baixa, o organismo descansa melhor e se adapta à assimilação do ar rarefeito”.

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A prática de caminhar por grandes altitudes e voltar para descansar em locais mais baixos é usada em praticamente todas as montanhas do mundo. | Foto: Eduardo Sartor/Grade 6

A prática de caminhar por grandes altitudes e voltar para descansar em locais mais baixos é usada em praticamente todas as altas montanhas do mundo. No Everest, por exemplo, é comum que os montanhistas passem dias indo entre um acampamento e outro no que é conhecido como “ciclo de aclimatação”. Dessa forma, o avanço até os acampamentos mais próximos ao cume é feito de forma lenta, para que seja possível adaptar o organismo e evitar os maus da altitude.

Mas, não é preciso ir até a cordilheira do Himalaia para sentir os efeitos da altitude. Muitos países vizinhos ao Brasil já têm montanhas altas o suficiente para obrigar os montanhistas a usarem estratégias de aclimatação em suas expedições. O Equador é um desses locais e um ótimo destino para quem quer começar a expor o corpo à altitude para entender como o próprio organismo se adapta antes de avançar para destinos ainda mais altos.

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“Hiking High, Sleep Low” é uma estratégia de aclimação muito eficiente. | Foto: Eduardo Sartor/Grade 6

“O Equador é um país ótimo para essa prática. Lá você sobe montanhas, principalmente vulcões, que estão entre 4.000 m e 5.000 m de altitude e pode voltar a Quito, com 2.700 m, para descansar e dormir”, explica o guia.

Essa facilidade em expor constantemente o corpo à altitude e poder se recuperar em ciclos constantes é tão eficiente, que existem grandes atletas e montanhistas equatorianos que se destacam em expedições de alta montanha justamente por sua fisiologia privilegiada, por estarem expostos à altitude em muitas montanhas do país.

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O Equador é um ótimo destino para quem quer começar a expor o corpo à altitude. | Foto: Eduardo Sartor/Grade 6

O cineasta alemão Martin Heck é especialista em produzir timelapses incríveis das paisagens mais exuberantes do mundo. Em uma viagem ao Chile, Martin registrou as maravilhas da Patagônia em um timelapse de tirar o fôlego, com qualidade 8K.

Para produzir o vídeo, o cineasta passou seis semanas viajando por mais de 7.500 quilômetros, entre Santiago e Punta Arenas. Todos os registros foram feitos com uma câmera fullHD com resolução 8K. O resultado é uma verdadeira viagem pelos detalhes desse destino incrível na América do Sul.

Confira o vídeo completo abaixo:

A quantidade de turistas no Everest sobe a cada ano, seja para tentar o cume da montanha mais alta do mundo ou para fazer o trekking que leva ao Acampamento Base. Essa enorme movimentação na montanha acaba gerando diversos problemas, principalmente relacionados à segurança e ao lixo que os montanhistas produzem durante as expedições e que muitas vezes fica para trás. Diante de tantos desafios, o governo do Nepal anunciou algumas mudanças, tanto para quem às expedições de alta montanha, como para quem faz apenas o trekking.

Já existem normas em relação aos resíduos gerados por quem vai tentar o ataque ao cume. Desde 2013, todos os alpinistas que participam de expedições acima do acampamento base são obrigados a trazerem de volta, pelo menos, oito quilos de dejetos. Quem não cumpre essa medida é obrigado a pagar uma multa de US$ 4 mil.

No entanto, a punição não é suficiente para limpar a montanha, que abriga resíduos de anos de expedições sem nenhuma preocupação ambiental. Para evitar que o problema aumente e diante dos problemas causados também às comunidades que vivem no entorno do Everest, o governo anunciou recentemente o banimento de todos os produtos descartáveis feitos de plástico. Seja na parte alta da montanha ou no percurso de trekking do BC. A partir de agora, todos os produtos plásticos que tenham menos de 0,03 milímetros de espessura estão proibidos. Isso inclui garrafas plásticas, sacolas, canudos, entre outras coisas.

Medidas de segurança

A superlotação do Everest, amplamente divulgada através de imagens de filhas no ataque ao cume da montanha, gerou debates no mundo inteiro. A exposição a que os montanhistas estão em uma situação de congestionamento na montanha acabou obrigado o Ministério de Turismo do Nepal a aplicar mais medidas de contenção. A ideia é tornar mais difícil a ida de pessoas ao Everest, para reduzir o contingente e evitar que pessoas inexperientes coloquem suas próprias vidas e a vida de terceiros em risco.

Entre as novas normas divulgadas pelo governo nepalês estão:

– As empresas que organizam as expedições precisam ter experiência mínima comprovada de 3 anos antes de se inscreverem para guiar no Everest.

– Os alpinistas que se candidatam a subir o Everest precisam ter escalado, pelos menos, uma montanha acima de 6.500 metros de altitude.

– As empresas precisam cobrar, no mínimo, o valor de US$ 35 mil dos clientes (entende-se que este valor já inclua a taxa de permissão para escalar, que hoje é de US$ 11 mil).

A expectativa é de que essas mudanças na legislação reduzam a quantidade de pessoas na montanha e tornem as expedições mais seguras a todos.

Foto: Toomas Tartes/CC -Unslash

O contato com a natureza é capaz de causar muitas transformações em uma pessoa. Existem pesquisas que comprovam que essa conexão é capaz de combater a depressão, substituir remédios, melhorar a pressão sanguínea e muito mais (clique aqui para saber mais). Subir uma montanha, seja fazendo uma trilha ou escalando, é a uma das maiores provas disso e a forma perfeita para comprovar a grandiosidade da natureza e a pequenez dos seres humanos.

O Carlos Santalena é guia de alta montanha. Ele já escalou desde a Pedra do Baú, que fica praticamente no quintal de sua casa, em São Bento do Sapucaí – SP, até o Everest. Em todas essas experiências, sozinho ou guiando pessoas, ele pode comprovar essa força que a natureza tem sobre as pessoas. Esses momentos o levaram a uma reflexão super interessante, que ele compartilhou com a gente.

Confira o texto na íntegra:

“É de primordial importância para a vida do ser humano que antes de morrer faça uma grande aventura ou um mergulho no desconhecido. Esse é o tipo de experiência que lhe faz perder algumas máscaras sociais e entrar de cabeça no mundo da natureza e da essência do ser humano, encontrando o equilíbrio e tranquilidade para saber selecionar a quantidade de informações que domina o atual panorama social e saber estabelecer o autocontrole.

A Montanha é um templo onde costumamos praticar nosso agradecimento por toda nossa vida. É o lugar onde costumamos tomar consciência de nossa existência, de nosso tamanho perante a natureza e não um estádio onde costumamos competir e torcer desesperadamente, como na vida cotidiana de trabalho em nossas grandes cidades. O Homem se torna um ser completo quando aprende a utilizar-se conscientemente de seu corpo físico, mental e espiritual.

Quando subimos uma montanha em qualquer lugar mostramos a nós mesmos o quanto podemos ser fortes, o quanto podemos ter disciplina e, principalmente, o quanto podemos realizar coisas que a princípio pareciam impossíveis.

Observando este cenário, a escalada se torna uma acessível válvula de escape e uma excelente ferramenta de motivação, desapego, admiração e autocontrole. Com a possibilidade de explorar lugares muito próximos e dentro do nosso próprio país, podemos encontrar atividades e opções de riqueza natural incomparável e montanhas com possibilidades e qualidade rochosa comparada aos melhores points de escalada do mundo.

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Foto: Arquivo Pessoal/Carlos Santalena

Certa vez, eu estava escalando na Pedra do Baú, no município de São Bento do Sapucaí, e ao chegar ao cume me deparei com alguns turistas que subiam pela via ferrata de acesso. Naquele momento, eu e meus amigos estávamos contemplando um pôr-do-sol alaranjado e certamente um dos mais belos que já pude apreciar. Parecia que o céu pegava fogo e, ao cair da noite, transformava o laranja em roxo, trazendo momentos de extrema conexão com a natureza. Neste exato momento estes 2 turistas olham para nós e dizem:

– Nossa que legal tudo isso e vocês costumam fazer escalada sempre?

– Sim sempre que posso estou em montanhas, vivendo estes belos momentos.

– Poxa vida muito legal este estilo de vida, mas pena que no Brasil não temos montanhas.

Olhamos para eles indignados, como sem entender como que poderiam dizer aquilo diante de um pôr-do-sol tão belo e ainda por cima no cume de uma montanha e no Brasil.

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Foto: Arquivo Pessoal/Carlos Santalena

Escalar a Pedra do Baú um monumento natural em São Bento do Sapucaí. Subir o Capim Amarelo na Serra Fina ou escalar o Mt.Everest, lhe trará o mesmo beneficio físico, mental e emocional. Mas, para absorver tudo isso devemos estar abertos para tal experiência, senão, continuaremos pensando que não subimos uma montanha, mesmo estando sentados em seu topo.

Deixo como dica que estejam sempre abertos mentalmente e preparados fisicamente para terem a possibilidade de explorar todas as experiências que a vida e a natureza possam lhe proporcionar. Muitas vezes nosso sonho está mais perto do que a gente imagina. Às vezes já estamos até vivendo ele, mas nem mesmo estamos tomando consciência.

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Foto: Arquivo Pessoal/Carlos Santalena

Estando abertos, estaremos vivendo o presente de forma tão intensa que nem mesmo o “cume” passará a ser sinônimo de sucesso e realização, uma vez que este não é um troféu para nosso ego e representa, geralmente, uma parcela mínima dentro de uma grande expedição ou dentro de uma grande viagem. Um exemplo disso é a expedição ao Aconcágua, em que passamos 19 dias entre trekking de aproximação e aclimatação, 9 horas subindo no dia de cume e apenas 30 minutos do ponto mais alto da montanha.

Conheça, explore e busque o desconhecido e ele brindará sua vida de momentos únicos, e assim você saberá escutar suas próprias vontades e saberá selecionar os maiores entres os seus grandes sonhos.”

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Pedra do Baú – Foto: Arquivo Pessoal/Carlos Santalena