Destinos

O início da subida do trekking que me levaria ao primeiro destino do percurso Cusco – Vale Sagrado, já me fez sentir a oxigenação reduzida no sangue. A cabeça quase explodiu e logo pensei: “Este é o só o começo, ainda tenho 5 dias!”.

Kusi, uma teadora que morava num povoado perto dali, com seu quíchua afiado, foi logo me dando 3 folhas de coca na mão, gesticulando para que eu colocasse na boca. Foram 10 minutos para o corpo voltar ao normal e entender que estávamos a quatro mil metros de altitude, e que assim seria até o fim da viagem. Cinco dias.

A trilha Lares é uma opção alternativa para chegar caminhando até o Vale Sagrado dos Incas. Ela é fantástica! Um verdadeiro mergulho pela história do Peru, passando por comunidades escondidas que permaneceram inalteradas durante séculos ao norte de Cusco. Os habitantes locais, com suas roupas coloridíssimas e seus rebanhos de alpacas e de lhamas, esperando ansiosamente por um turista aventureiro que lhe traga frutas ou pães de presente.

Foto: Flavia Vitorino/Arquivo Pessoal

O incrível de expedições como esta é que elas lhe permitem vivenciar a sensação primitiva do local. São inúmeros sítios arqueológicos que nos colocam em contato com uma história muito antiga, mas tão viva, que é quase uma sessão de regressão aos tempos andinos.

Todos os dias nós víamos o sol nascer entre as montanhas, andando em direção a Machu Picchu sob sol, frio e chuva. Isso porque, durante o percurso diário que leva, em média, 9 horas, o sobe e desce é rotina. Ora você anda a 2 mil metros do nível do mar e ora está andando a passos de tartaruga, a quase 6 mil metros de altitude. A cada dia é uma conquista: cordilheiras, picos nevados, lagos com água azul turquesa e ruínas com histórias sagradas.

Ollantaytambo, a cidade de onde sai o trem para o Vale Sagrado, é uma obra monumental. Confesso que fiquei tão impressionada com ela quanto com o Vale Sagrado. Foi lá que descobri que os Incas montavam guias de rappel com cipós para desenhar seus deuses nas pedras, e que estão lá, intactos até hoje. Descobri também que já tinha ouvido o dialeto local em algum lugar. O hutês – língua ficcional do filme Star Wars, falado pelo personagem Jabba, se baseia no quíchua deles.

Foto: Flavia Vitorino/Arquivo Pessoal

É inexplicável, depois de tantos dias caminhando, a sensação de chegar em Machu Picchu. Lá embaixo, uma selva molhada e montanhas intermináveis até o céu. Lá em cima, uma cidade escondida com uma energia que te deixa sem palavras. Depois de passar um dia inteiro em Machu Picchu, cheguei no vilarejo de Urubamba muda.

Foto: Flavia Vitorino/Arquivo Pessoal

Só consegui abrir a boca quando cheguei na base de uma montanha e comecei a me preparar para escalar 300 metros de altura, com o intuito de alcançar uma cápsula flutuante de alumínio com oito metros de largura, pendurada em meio a um vale – meu aposento para a próxima noite. Essa cápsula é um refúgio que só se chega escalando. Haja braço e atenção, porque, depois que o guia descobre que você tem a técnica, você continua o resto do percurso sozinho. Era uma mistura de tensão e prazer, porque a cada metro que eu subia, a vista ficava mais deslumbrante. E, assim cheguei, numa cápsula transparente que me permitiu assistir o sol partir e chegar de uma altura incrível.

Foto: Flavia Vitorino/Arquivo Pessoal

Fui embora deslizando pelas tirolesas, pensando em como Peru é um país tão especial. Acho que uma viagem assim, ao remoto, desconectada do meu mundo e conectada ao mundo deles, a gente entende mais sobre tudo que é desconhecido no mundo e em nós mesmos. Conseguimos enxergar certas áreas do planeta e da alma mais cheias de vida e descobrir que ainda há muito a ser feito e visto. A única coisa importante, afinal, é estar vivo!

Foto: Flavia Vitorino/Arquivo Pessoal

Escrito por

Flavia Vitorino

Turismóloga, jornalista e mãe de 2 meninas. Envolvida no meio da aventura desde 2007, Flávia escreve sobre viagens de natureza e tem como objetivo principal mostrar que aventura é algo que está ao alcance de todos.