Inspiração

Quem nunca resolveu aceitar um desafio que era para ser apenas uma brincadeira, que atire a primeira pedra. Sabe aquela conversa entre amigos que sempre acaba em aposta ou em uma furada? Foi quase isso que aconteceu com a Luisa Mazarotto. Ela e um amigo planejavam uma aventura tranquila de fim de semana, até que o terceiro integrante lançou uma ideia de brincadeira. A sugestão era tão boa que eles não tiveram como não se jogar no desafio. O resultado: o trio explorou boa parte da Serra de Ibitiraquire em 1 dia só!

Se você não está familiarizado com esse nome, saiba que essa é uma região de trekking muito desafiadora no Paraná. Só esse detalhe já dá para ter noção do tamanho da missão que os três tinham pela frente. A Luísa contou pra gente todos os detalhes dessa Memória de Montanha. Confira:

‘Escolhi uma história que aconteceu aqui perto, na nossa Serra do Ibitiraquire! Temos um terreno super desafiador por aqui, tanto que o montanhista paranaense tem a fama de encarar qualquer coisa, devido à dificuldade que temos em trilhas por aqui. E, essa foi, definitivamente, a caminhada mais difícil que eu já fiz. Vamos lá!

Tudo começou com uma ideia maluca. Eu e o Caius Marcellus iríamos caminhar e convidamos o Lucas Feltrin para ir junto, mas ele disse que só iria se fôssemos até o Agudo da Cotia, fazendo a trilha conhecida como ‘por cima’, que envolve passar por vários cumes para acessar o Pico Ciririca, para, então, ir até o Agudo. Lógico que era piada. Mas, a gente topou (risos)! Até o momento, nós não tínhamos conhecimento se alguém já teria feito esse percurso de ataque. Muitas pessoas levam até três dias para concluir, mas nossa ideia era fazer no bate e volta mesmo.

Partimos com mochila de ataque contendo GPS, kit primeiros socorros, 2 lanternas, anorak, segunda pele, calça, bastante comida e suplementação, além de uma boa hidratação. Nós saímos um pouco antes do sol nascer rumo ao primeiro destino: o pico Camapuã. A subida foi um pouco lenta, pois estávamos poupando o corpo para tudo que viria pela frente. Após alcançado o cume do Camapuã, fomos diretamente para o segundo ponto, o Pico Tucum. Ali bebemos um pouco de isotônico, comemos algo rápido e já partimos para o Cerro Verde, nosso terceiro destino. Dali pra frente a caminhada é muito legal, são vários cumes com alguns trechos em campos de altitude, o que possibilita vista das montanhas que temos que subir o tempo todo!

Trajeto percorrido pelo trio, marcado no GPS

Saímos do Cerro Verde em direção ao quarto cume, o Cerro Luar. Um gel de carboidrato depois e fomos para o quinto cume, o Siri! Em todos esses cumes nós nos alimentamos, mesmo que com algo pequeno. Uma coisa muito importante, ao menos pra mim, nessa caminhada, foi não sentir fome, comer sempre alguma coisa para o corpo não sentir falta de nada e se manter em atividade sem declínio. Do Siri partimos até o ‘última chance’, o último ponto de água antes da subida do Ciririca. Ali, nós nos reabastecemos e partimos para mais um cume.

“Nosso time (Caius Marcellus na esquerda, eu no meio, Lucas Feltrin na direita) no cume do Agudo – com roupas quentes porque começou a esfriar.” Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal

O Ciririca tem a fama de ser o ‘K2 paranaense’, devido à sua extensa e cansativa trilha. Do cume do Ciririca podemos avisar nosso último objetivo, o Agudo da Cotia. Essa é a última montanha da serra do Ibitiraquire. Desde o cume do Ciririca são aproximadamente 3,5km somente de ida. Para chegar até lá, enfrentamos a pior descida que conheço na nossa serra. Descer o Ciririca pelo outro lado é super perigoso e bastante íngreme. Fomos com muito cuidado, curtindo a paisagem e felizes por estarmos fisicamente bem. Para chegar ao cume do Agudo da Cotia foi complicado, estávamos de shorts (trajes de corrida são mais ágeis para um ataque) e nossas pernas foram retalhadas pelos capins navalha e a quantidade imensa de caraguatás presentes na trilha até o cume (eu tenho cicatrizes até hoje desses cortes, risos!).

“Foto tirada do Ciririca – as três pontinhas ao fundo são os Agudos, o Agudo da Cotia é o maior.” | Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal

O jeito foi engolir a dor e correr para o cume, e que cume! Sem vista nenhuma, sem caixa de cume, tem somente um cano de PVC com um caderninho. Acho que as pessoas ficam com preguiça só de pensar em carregar furadeira e uma caixa de cume para instalar lá (risos)! Enfim, estávamos lá, no nosso sétimo cume do dia, nos alimentamos bem e começamos a preparar o psicológico para encarar o trajeto até o Ciririca. Ainda bem que eu tinha uma calça legging na mochila. Eu tive que colocá-la para aguentar passar pela trilha novamente, pois minha pele estava machucada demais. Nós assistimos ao pôr do sol nesse trajeto, fiz até uma panorâmica nesse lugar inóspito e bonito para registrar o momento.

“Panorâmica do vale feita a partir do cume do Agudo.” | Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal

A subida para o Ciririca foi legal, foi com uma escalaminhada em rampas de pedras e caratuvas (um arbusto típico de cumes na nossa região). Sentamos, aliviados, no cume do Ciririca para fazer uma super refeição, o que seria nosso jantar, e nos levaria até a Chácara. Ficamos tão aliviados ali, que nos sentimos em casa, o problema é que do cume do Ciririca até a fazenda são aproximadamente 8km duros. Nós partimos, já no escuro e, à medida que íamos caminhando, nosso psicológico começava a falhar. Caminhamos cada vez mais lentos, todos quietos, querendo chegar logo, cansados, com sono, e por aí vai. Fomos nos destruindo psicologicamente, foi uma loucura. É uma coisa comum de se acontecer quando levamos nosso corpo ao limite, cabe a nós tentar lidar com isso. Os meninos começaram a brincar de apostar corrida em alguns trechos, inclusive em uma subida gigantesca que existe na volta, que nos leva até a bifurcação da trilha do Ciririca com a do Camapuã. Eu parecia um verme rastejando nessa subida, nunca fiz ela tão devagar! Depois de chegar na bifurcação, eu tinha vontade de chorar de alegria. Mas o silêncio tomou conta novamente dali pra frente, pois ainda faltava um longo trecho até o carro, cruzar muitos rios no escuro, cuidar para não escorregar em nenhum trecho perigoso, atentar às cobras no caminho etc.

“O Sol se ponto atrás do Ciririca no nosso retorno.” | Foto: Luisa Mazarotto/Arquivo Pessoal

Não foi fácil, mas chegamos na Chácara por volta de 1h30 da manhã! Decidimos dormir ali, para não pegar a estrada de madrugada. O Lucas foi direto para o carro e dormiu de tênis, passou a noite toda sem se mexer! Eu e o Caius fomos fazer algo quente para comer, então fomos dormir. Lógico que esquecemos de alongar o corpo, então no dia seguinte estava tudo doendo!

Isso tudo aconteceu em meados de 2018, ainda falamos em repetir a empreitada incluindo os outros Agudos, mas até agora não criamos coragem (risos).’


Escrito por

Thaís Teisen

Jornalista, formada pela FIAM-FAAM, com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. É apaixonada por esportes, natureza, música e faz parte do time The North Face de Conteúdo Digital.